O que o caso Bruno Ernesto tem a ver com a imparcialidade objetiva do juiz?
O Blog abre espaço para a publicação de um artigo do jurista Flávio Garcia Cabral, conhecido no meio como um dos estudiosos do Direito mais abalizados do País. O texto “A imparcialidade objetiva do juiz”, enviado pelo advogado Aluízio Régis Filho, aborda um tema muito oportuno, que é a questão da suspeição de magistrados, ainda que não haja um impedimento legal por parentesco.
O texto, dadas as semelhanças jurídicas, termina associado ao caso Bruno Ernesto, especialmente diante de toda polêmica envolvendo o parecer do promotor Marcos Leite, que seria pelo arquivamento do procedimento investigativo em torno do assassinato, que tem como investigado Ricardo Coutinho.
CONFIRA A ÍNTEGRA DO TEXTO…
Resumo: Buscou-se abordar a novel figura da imparcialidade objetiva do juiz, partindo-se da notória decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, verificando-se, desta feita, a evolução jurisprudencial no sentido de conferir maior segurança aos jurisdicionados, a partir da exteriorização da imparcialidade da autoridade julgadora além dos meros valores atrelados ao íntimo dos magistrados.
Por tempos estudou-se a imparcialidade do juiz – elemento erigido no texto de diversas constituições e tratados internacionais, em especial os que versam sobre os Direitos Humanos – somente sob a perspectiva subjetiva, isto é, uma análise que busca compreender o “stato spirituale” do julgador, a fim de que não haja interferência, levando-se em conta critérios pessoais – leia-se subjetivos – no decisum a ser exarado.
Neste pórtico, cite-se a legislação infraconstitucional brasileira, onde se prevê hipóteses de impedimento e suspeição do magistrado, estruturados nos diplomas processuais civis (artigos 134 a 137 da Lei nº 5.869/73 – Código Processual Civil) e penais (artigos 252 a 256 da Lei nº 3.684/41 – Código de Processo Penal), sendo certo, assim, que buscou o legislador evitar situações que pudessem afastar a natureza imparcial que deve pautar as decisões dos juízes pátrios.
Ocorre que a evolução da sociedade, atrelada ao aspecto jurídico, em especial da processualística como instrumento hábil a proferir decisões atreladas à segurança e ao sentimento de Justiça, vem demonstrando que a vedação à parcialidade dos julgadores sob a ótica unicamente unitária, isto é, a de caráter subjetivo, não alcança os anseios da população. Desta sorte se sobressai a figura da imparcialidade objetiva do juiz, cuja gênese histórica mais difundida repousa na decisão emanada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH).
Em célebre julgamento proferido por aquela corte, em 1º de outubro de 1982, na apreciação do caso Piersack x Bélgica [01], firmou-se a ideia de que “justice must not only be done: it must also be seen to be done” – “a justiça não deve simplesmente ser feita: deve também ser vista para ser feita”.
Neste diapasão, o julgado em comento trouxe à baila o entendimento de que a imparcialidade do juiz não possui somente uma natureza subjetiva, vislumbrando-se também seu aspecto objetivo. Logo, a primeira estaria vinculada aos sentimentos e convicções pessoais dos magistrados frente ao caso concreto, enquanto a segunda figura, por sua vez, buscaria evidenciar um juiz que, na situação palpável, seja capaz de demonstrar a imparcialidade, emanando garantias que excluam dúvidas pertinentes sobre a temática.
Assim, não bastaria que a autoridade julgadora não estivesse subjetivamente atrelada a situações de impedimento ou suspeição, deve-se exigir daquele magistrado, outrossim, que não paire dúvidas – dúvidas estas que possuam relevância, pertinência e fundamento – sobre sua imparcialidade em relação a outros aspectos, havendo, neste caso, um mister em se externar uma aparência de Justiça, pois “lo que está em juego es la confianza que los tribunales deben inspirar a los ciudadanos em uma sociedad democratica” [02].
Trazendo a questão para um plano fático, pode-se exemplificar a matéria com o caso de um juiz “que tenha recusado o pedido de arquivamento do inquérito policial feito pelo Ministério Público podendo por em risco a imparcialidade objetiva que lhe é exigível, já que nestes casos não existe uma especial vinculação entre o juiz e a parte, que é o núcleo da denominada parcialidade subjetiva” (sic) [03].
Embora de grande e novel importância o posicionamento prestado pelo TEDH, aquele não se manteve isento de críticas, havendo diversos doutrinadores que expuserem sua insatisfação com aquele julgado.
Sustenta a corrente avessa à possibilidade de distinguir a imparcialidade em subjetiva e objetiva que a imparcialidade ou parcialidade estará sempre afeta ao sentimento do magistrado ante a um dado elemento do processo, razão pela qual acabará sempre estando conectada às circunstâncias subjetivas do juiz, havendo, portanto, somente a imparcialidade subjetiva.
No que pese a argumentação da referida corrente, não se pode desmerecer de plano o prestígio trazido pela avocação da chamada imparcialidade objetiva [04]. Inobstante a decisão do magistrado esteja invariavelmente pautada em uma análise subjetiva, sendo que por esta razão existem situações, eleitas, inclusive, como dispositivos legais pelo legislador, que alteram o equilíbrio dos sentimentos pessoais do julgador, devendo, logo, abster-se aquele de se pronunciar sobre a demanda que lhe foi apresentada, cada dia mais se faz necessário que a imparcialidade da autoridade julgadora possa ser apreciada pelos cidadãos sob um vértice objetivo.
Não se trata de negar que a imparcialidade estará, de fato, sujeita a critérios analíticos do juiz, mas deve haver situações concretas em que esta mesma imparcialidade, ao estar comprometida por qualquer situação fática que não aquelas prescritas em normas legais, e que condizem a critérios eminentemente subjetivos, possa ser aferida por observadores externos, ou seja, é preciso que a imparcialidade seja mantida no âmago do magistrado e que possa ser confirmada pelos jurisdicionáveis, que, a priori, são os maiores interessados, em especial num Estado Democrático de Direito.
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