Palmarí e a homenagem a Ugo Guimarães: “O homem que gostava de flores”
Em sua mais recente crônica, o escritor Palmarí de Lucena faz uma homenagem à memória do médico Ugo Guimarães, que faleceu recentemente em consequência das sequelas de um atropelamento, causado por um motorista bêbado. Em “O médico que gostava de flores”, Palmarí destaca as qualidades do amigo que se foi tão precocemente. Confira a íntegra do comentário:
Plantinha de lírio deixada na recepção do nosso prédio por Ugo Guimaraes. Tínhamos a mesma flor no jardim, relicário de uma mãe querida. Perdemos nosso amigo, uma tragédia urbana: motorista embriagado, veículo desgovernando, vida encurtada. Resta-nos agora dois lírios, entes queridos perpetuados no espirito da Quaresma, aressureição e a vitória de Cristo depois do seu sofrimentos e morte. Versos de Verlaine invadem nossas almas: Je me souviens/Des jours anciens/Et je pleure.
Médico atendendo o paciente ou velhos amigos desfiando os arabescos das teias acumuladas pelos anos, desemaranhadas esporadicamente em seis décadas. Contos da juventude intercalados com observações clínicas, receitas médicas. Perseguimos nossas paixões propulsados pela impaciência e o imediatismo da juventude. Ele uma moça bonita chamada de Maria Arminda e a medicina, nós partimos em direção ao mundo.
Poucos encontros e reencontramos aconteceram em décadas. Ironicamente, foi um sangramento nasal que renovou nossa amizade. Recordou a ocasião durante nossa última consulta em novembro de 2018, afirmando você esteve aqui com o nariz sangrando em 2004. Enquanto ele procurava por uma amostra, fixamos nosso olhar em uma foto antiga de dois jovens, Ugo e Pelé, alegres, risonhos, livres, donos do universo.
Devido a nossa semelhança fisionômica, situações quase-cômicas aconteciam frequentemente. Certa vez, fomos convidados para juntar-nos a uma mesa com uma família, se identificaram como três gerações de pacientes do Doutor Ugo. Após descobrir que não éramos o médico, pediram que eu permanecesse à mesa. Cover do meu amigo Ugo, irmão para aqueles que nos confundiam.
Maria Armida olhou firmemente nos meus olhos, mãos formando uma concha abrigando as minhas, palavras escapando da palidez e a tristeza nos lábios trêmulos: seu irmão morreu! Ugo morrera da morte que nunca quis, o começo de sua partida registrado dolorosamente em um boletim de ocorrência. Resta-nos olhar os lírios…