PENSAMENTO PLURAL A aposta de Milei e o abraço de Trump, por Palmarí de Lucena

O escritor Palmarí de Lucena registra em seu comentário, como em meio a forte instabilidade, Javier Milei recebeu apoio político e econômico de Donald Trump e do Tesouro dos EUA, que acenaram com possíveis linhas de crédito e medidas emergenciais. “O gesto buscou conter a desconfiança dos mercados diante da escassez de dólares, da derrota eleitoral em Buenos Aires e da supervalorização do peso”, acrescenta. O respaldo internacional dá sobrevida ao governo, mas não substitui a necessidade de consensos internos e reformas estruturais. Confira íntegra…

Há cenas na política internacional que funcionam como metáforas. A de Javier Milei e Donald Trump lado a lado, em Nova York, é uma delas. O argentino, com sua economia asfixiada pela falta de dólares, buscava ar. O americano, sempre pronto a encenar liderança, ofereceu palavras de estímulo e a promessa de ajuda. “Ele tem feito um trabalho fantástico”, declarou Trump, como se um elogio bastasse para mudar o humor dos mercados.

A mensagem ganhou corpo quando o secretário do Tesouro, Scott Bessent, escreveu que Washington faria “o que fosse necessário” para apoiar Buenos Aires. A frase, vaga e calculada, teve o efeito imediato de acalmar investidores. Nada foi definido, mas tudo foi insinuado: linhas de swap, compras de títulos, crédito emergencial. A simples lembrança de 1994 — quando Bill Clinton mobilizou bilhões para socorrer o México — paira agora sobre a Casa Rosada como promessa de repetição.

Milei chega a esse encontro depois de um ciclo de euforia que se esvaiu rápido. O primeiro semestre lhe deu aplausos: corte de gastos, queda da inflação, acordo com o FMI. Mas a realidade logo cobrou a fatura. Reservas minguaram, a moeda se supervalorizou, o crescimento estagnou. Em setembro, veio a derrota eleitoral em Buenos Aires e, junto dela, a corrosão da confiança política. O episódio dos áudios envolvendo Karina Milei apenas adicionou instabilidade a um governo que já caminha em terreno movediço.

Trump, ao estender-lhe a mão, oferece mais que amizade. Oferece o peso simbólico dos Estados Unidos como avalista de um projeto que, sem dólares, sem maioria no Congresso e sem paciência social, corre risco de colapso. O gesto, porém, é ambíguo. Ajuda pode significar tutela, e tutela cobra preço.

A Argentina vive, mais uma vez, o dilema de depender da benevolência alheia. A suspensão temporária das retenções sobre grãos revela a lógica de curto prazo: liberar divisas antes das eleições legislativas, cinco dias depois de expirado o prazo da medida. É o calendário eleitoral, não o plano de desenvolvimento, que dita as escolhas.

O abraço de Trump dá sobrevida a Milei, mas não resolve a encruzilhada. No fim, nenhuma linha de crédito substitui a construção de consensos internos, nem o dólar emprestado compra a legitimidade perdida. A Argentina precisa menos de padrinhos internacionais e mais de uma ponte sólida entre governo, Congresso e cidadãos. Caso contrário, o gesto em Nova York será lembrado apenas como mais uma foto na longa galeria de ilusões argentinas.

 

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