Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena aponta que o processo de impeachment no Brasil, originalmente instrumento de defesa democrática, tem sido banalizado por parlamentares que o utilizam para proteger interesses pessoais e partidários. “Essa prática fragiliza instituições, alimenta o cinismo político e ameaça a independência do Judiciário, gerando instabilidade e descrédito popular. É essencial resgatar sua função legítima para fortalecer o Estado Democrático de Direito”, acrescenta. Confira íntegra…
O processo de impeachment, consagrado na Constituição Federal como um mecanismo excepcional de salvaguarda da ordem democrática e de responsabilização dos agentes públicos que atentem contra a República, tem sido, no contexto político brasileiro contemporâneo, objeto de banalização preocupante. O que deveria ser um instrumento rigoroso e lastreado em fundamentos jurídicos sólidos vem se convertendo em ferramenta frequente de retórica política e proteção de interesses pessoais e partidários.
Tal fenômeno não decorre apenas da própria existência do instrumento, mas do seu manejo por agentes legislativos cujas atuações revelam, por vezes, limitada vocação democrática e profundo cinismo institucional. A constante invocação do impeachment como recurso imediato, e por vezes infundado, contribui para o desgaste das instituições e para a diluição do seu significado histórico e jurídico.
Ademais, a presença expressiva de parlamentares sob investigação criminal — dado revelado em levantamentos recentes que indicam que mais de vinte por cento dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal respondem a processos judiciais — agrava o quadro de descrédito e reforça a percepção de que a máquina legislativa é utilizada prioritariamente para a preservação de interesses particulares em detrimento do interesse público.
Ainda mais grave é o uso do impeachment como instrumento de pressão contra a independência do Poder Judiciário, especialmente contra integrantes do Supremo Tribunal Federal. Tentativas de constrangimento ou intimidação judicial configuram um atentado à separação dos poderes, princípio basilar do Estado Democrático de Direito, e suscitam questionamentos acerca de possíveis crimes de obstrução da justiça e interferência indevida nas funções judiciais, o que exige rigorosa apuração e resposta institucional.
A consequente instabilidade institucional que emerge desse contexto prejudica o funcionamento saudável da governabilidade e fragiliza o tecido democrático brasileiro. A repetição exacerbada de processos e ameaças de impeachment contribui para um cenário de polarização exacerbada, na qual o diálogo político perde espaço para a confrontação estéril e o espetáculo midiático.
É imperativo que o processo de impeachment seja preservado em sua excepcionalidade, utilizado com o devido rigor técnico e respeito ao ordenamento jurídico, para que possa cumprir sua função primordial de proteção da democracia e da legalidade. A restauração da credibilidade das instituições depende, em grande medida, do reconhecimento e da correção dos abusos e desvios que ameaçam a estabilidade política e social do país.
Em última análise, o aperfeiçoamento do regime democrático brasileiro passa pelo fortalecimento das instituições e pela responsabilização ética e legal dos seus agentes, evitando-se que a máquina legislativa se transforme em instrumento de defesa de interesses particulares em detrimento do bem comum.
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