PENSAMENTO PLURAL A cumplicidade escancarada, por Rui Leitão
O escritor e historiador Rui Leitão, já recuperado da Covid-19, volta a abordar, em sua nova crônica, a recente contratação do ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro por uma empresa de advocacia americana, que cuida dos processos de recuperação judicial de empresas que foram por ele sentenciadas na operação Lava Jato e lamenta que o fato “não mereceu a mínima referência no noticiário da Rede Globo”. Confira íntegra de seu comentário…
Quando a cumplicidade é explícita o compromisso com a verdade desaparece, porque a revelação de fatos pode gerar cobranças de flagrante impunidade. Talvez esteja aí a razão pela qual a Rede Globo vem solenemente ignorando a informação sobre o novo emprego do ex-juiz Sérgio Moro. Não se vê qualquer notícia a respeito nos veículos de comunicação desse poderoso monopólio midiático.
As manobras jurídicas comandadas por Moro sempre receberam apoio e destacada divulgação da Globo, numa combinação de ações que objetivavam interesses políticos comuns. A conivência com os ilícitos praticados pelo então juiz, quando comandava a Lava Jato, não é desconhecida de ninguém. Era algo que o mais ingênuo dos brasileiros percebia, à exceção dos fanáticos políticos. O Jornal Nacional, diariamente, concedia espaços generosos na promoção pessoal de Sérgio Moro, transformando-o, para boa parte da opinião pública, no grande herói nacional do combate à corrupção.
Quando a máscara do falso paladino da moralidade e da ética começa a cair, a Globo silencia. Mas é impossível para ela tecer qualquer crítica a respeito, uma vez que carrega a marca da conivência com os ilícitos perpetrados. Então, a estratégia mais conveniente no momento é exercitar a omissão, mesmo que isso represente a sua desmoralização no aspecto da isenção jornalística.
A escandalosa contratação de Moro por uma consultoria norte-americana que cuida dos processos de recuperação judicial de empresas que foram por ele sentenciadas na operação Lava Jato, não mereceu a mínima referência no noticiário da Rede Globo. Ora, todo mundo sabe da parceria exercida entre o ex magistrado e as empresas de comunicação da família Marinho na “lawfare” aplicada contra o ex presidente Lula.
Cúmplices só se atacam numa “delação premiada”, o que não é o caso, pelo menos por enquanto. A Globo é declaradamente “morista”. Basta ver a posição que tomou quando as duas maiores lideranças atuais da extrema direita brasileira decidiram ir para o conflito. Optou por continuar a apoiar incondicionalmente o ex juiz, abandonando o presidente Bolsonaro. Irão caminhar juntos até onde puderem. Ambos têm segredos que, se revelados, comprometem suas próprias imagens. A cumplicidade de antes os obriga a permanecerem fiéis um ao outro.
Perde o jornalismo que se espera comprometido com a verdade. No entanto, a vida nos ensina que, ainda que demore algum tempo, o que se procura esconder, um dia ganhará as manchetes da veracidade impossível de se manter ignorada.
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