PENSAMENTO PLURAL A decadência da educação brasileira e o papel do identitarismo, por Emir Candeia

Em seu comentário, o professor Emir Candeia fala do que considera a decadência da educação brasileira, num ambiente de identarismo. “O declínio veio com algum atraso, mas também se consolidou. Hoje, salvo exceções como ITA e Unicamp, as universidades privadas concentram a produção de profissionais mais preparados, enquanto o sistema público enfrenta crise de identidade e de qualidade”, afirma. Confira íntegra…

1. O que mudou? Até meados dos anos 1990, as escolas públicas secundárias eram referência de qualidade. Alunos oriundos delas conquistavam as vagas mais concorridas das universidades, que por sua vez eram centros de excelência. Médicos, engenheiros, advogados e administradores formados nessas instituições figuravam entre os mais preparados do país. Havia uma lógica meritocrática clara: o esforço individual somado à qualidade do ensino público gerava ascensão social.

A partir dos anos 1990, entretanto, esse modelo entrou em colapso. O ensino médio público foi perdendo espaço, e os estudantes mais dedicados migraram para as escolas privadas. No ensino superior, o declínio veio com algum atraso, mas também se consolidou. Hoje, salvo exceções como ITA e Unicamp, as universidades privadas concentram a produção de profissionais mais preparados, enquanto o sistema público enfrenta crise de identidade e de qualidade.

2. O papel do identitarismo. É nesse contexto que entram os movimentos identitários. Ao invés de lutar pela recuperação da qualidade do ensino universal, sindicatos, DCEs, UNE, ONGs e partidos passaram a defender pautas ideológicas, muitas vezes distantes da necessidade central: formar bons profissionais. Conselhos e entidades estudantis, que poderiam ser laboratórios de cidadania, tornaram-se palanques para bandeiras sectárias.

Um exemplo emblemático é a criação recente de uma turma de Medicina da UFPE em Caruaru, que reserva metade das vagas para camponeses e quilombolas. O mérito deixa de ser o critério principal de seleção. Em teoria, trata-se de corrigir desigualdades históricas. Na prática, cria-se uma divisão artificial: de um lado, quem entra pelo esforço intelectual; de outro, quem entra por critérios de identidade.

3. As consequências desse modelo. Erosão do mérito: a universidade deixa de ser espaço que premia o esforço acadêmico.  Profissionais menos preparados: quando o critério de ingresso não está ligado ao mérito, o nível médio cai — e com ele, a qualidade da saúde, da engenharia, da justiça e da economia. Perda de prestígio: o ensino público, antes símbolo de excelência, perde credibilidade frente às universidades privadas.

E ainda desigualdade invertida: ao invés de elevar o ensino público para todos, cria-se um sistema de cotas identitárias que não resolve a raiz do problema — a péssima qualidade da educação básica.

4. O efeito social e geopolítico. Um país só alcança protagonismo mundial quando investe pesado em ciência, tecnologia e educação de qualidade. A Coreia do Sul, por exemplo, saiu da miséria na década de 1960 para se tornar potência tecnológica ao apostar em mérito e inovação. O Brasil, ao contrário, parece seguir o caminho inverso: privilegia debates ideológicos em detrimento da excelência acadêmica, afastando-se da possibilidade de figurar entre as potências globais.

5. Conclusão crítica. Os identitaristas, em nome da “justiça social”, abriram mão do que realmente poderia transformar o país: ensino público de qualidade, universal e meritocrático. Ao fragmentar a educação em nichos e reservas de vagas, contribuíram para consolidar a decadência de um sistema que já foi referência.

O resultado está diante de nós: escolas públicas esvaziadas de bons alunos, universidades públicas fragilizadas, classe média e alta dominando as melhores oportunidades por meio das instituições privadas.

Em vez de democratizar a excelência, optou-se por relativizar o mérito. O preço será pago nas próximas gerações, que encontrarão um país menos competitivo, menos preparado e cada vez mais distante da inovação científica e tecnológica.

 

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