PENSAMENTO PLURAL A diplomacia improvisada e o declínio de um projeto familiar de poder, por Palmarí de Lucena

O escritor Palmarí de Lucena repercute reportagem do Financial Times, em que aponta como o enfraquecimento do bolsonarismo decorre de erros cometidos pela própria família Bolsonaro. A tentativa de Eduardo de buscar apoio político nos EUA agravou o isolamento do ex-presidente e criou desgastes econômicos e diplomáticos. Flávio tentou institucionalizar o movimento, Carlos radicalizou a comunicação e Michelle tornou-se polo alternativo de poder. “Com Bolsonaro fragilizado judicial e clinicamente, a direita busca nova liderança, enquanto o bolsonarismo perde coesão e projeto político”, diz. Confira íntegra…

Ao afirmar que a “missão de Eduardo Bolsonaro fracassou espetacularmente”, o Financial Times foi além da análise de um episódio isolado. O jornal britânico descreveu, em tom seco e preciso, o colapso gradual de um projeto político construído menos sobre instituições e mais sobre laços familiares e impulsos pessoais. O insucesso da tentativa de mobilização internacional em favor de Jair Bolsonaro tornou-se o símbolo mais visível de um movimento que perdeu coesão interna, credibilidade externa e capacidade de condução política.

O contexto é ainda mais delicado porque o ex-presidente já não atua como força política ativa. Enfrenta restrições judiciais severas e problemas de saúde recorrentes, que o afastaram da vida pública com regularidade nos últimos meses. Sua condição atual impõe não apenas limites físicos, mas políticos. Um líder sob custódia e fragilizado clinicamente não comanda movimentos; é, inevitavelmente, substituído por disputas internas, improvisos e tentativas de ocupação do espaço deixado.

Neste vácuo, os filhos passaram a atuar como gestores informais de um legado em erosão. Eduardo Bolsonaro assumiu a tarefa mais barulhenta — e a mais desastrada: buscar nos Estados Unidos apoio para interferir em processos jurídicos em curso no Brasil. Não houve diplomacia, nem ganho institucional, nem resultado prático. Pelo contrário: segundo o Financial Times, a estratégia provocou reações negativas no setor empresarial brasileiro e resultou em prejuízos à imagem internacional do País, sem qualquer efeito concreto em favor do ex-presidente.

Flávio Bolsonaro, mais afeito à política tradicional, tentou funcionar como ponte entre o bolsonarismo e o sistema formal de poder em Brasília. Seu papel sempre foi o de reduzir ruídos, construir pontes e negociar espaços. Não conseguiu. A radicalização do entorno presidencial e os ruídos produzidos pelo núcleo ideológico da família neutralizaram qualquer tentativa de institucionalização tardia.

Carlos Bolsonaro, por sua vez, seguiu exercendo o papel de arquiteto da comunicação agressiva do movimento. Sua atuação permanente nas redes sociais consolidou a identidade beligerante do bolsonarismo e aprofundou a lógica do confronto contra adversários, imprensa e Judiciário. Se Eduardo levou o confronto para o exterior, Carlos o manteve aceso no plano doméstico.

Michelle Bolsonaro passou a ocupar espaço próprio. Sua imagem foi trabalhada como contraponto simbólico ao desgaste do marido: figura de fé, conciliação e estabilidade familiar. Internamente, contudo, seu protagonismo político gerou tensões e disputas por herança eleitoral, aprofundando fraturas que o bolsonarismo sempre tentou ocultar sob a fachada de unidade.

O Financial Times é direto ao identificar que o enfraquecimento do bolsonarismo decorre, sobretudo, de erros cometidos por seus próprios agentes. Não foi a oposição que implodiu o movimento. Foram decisões erráticas, personalismo excessivo e incapacidade de leitura do momento político.

A situação pessoal de Jair Bolsonaro agrava ainda mais esse quadro. Um ex-presidente submetido a processo judicial e com limitações de saúde já não exerce o mesmo papel organizador. Quando o polo central enfraquece, o sistema que orbitava em torno dele entra em colapso. O bolsonarismo foi montado como estrutura personalista. Sem o personagem central em pleno funcionamento político, resta apenas a disputa por espólios simbólicos.

Por isso, não surpreende a movimentação da direita em busca de novos nomes. A menção do Financial Times ao governador Tarcísio de Freitas não é fortuita. Trata-se de alguém identificado com método, previsibilidade e capacidade técnica — antíteses do estilo que caracterizou o bolsonarismo em sua fase mais aguda.

Movimentos políticos raramente desaparecem de forma abrupta. Eles se diluem. Perdem energia, pulverizam lideranças, trocam de discurso. O bolsonarismo ainda conserva ressonância emocional entre seus apoiadores. Como projeto viável de poder, porém, atravessa seu momento mais crítico.

Em síntese, Jair Bolsonaro entrará para a história não como formulador de políticas duradouras, mas como símbolo de um ciclo marcado pelo confronto e pela confusão entre governo e militância. Seu legado foi tensionar a democracia sem fortalecê-la, mobilizar apoiadores sem organizar projeto e prometer rupturas sem produzir reformas estruturais. Deixou mais ruído do que obra, mais divisão do que consensos. A política, porém, não sobrevive de slogans nem de antagonismos. O País, agora, precisa reconstruir não apenas agendas, mas a própria noção de responsabilidade pública.

 

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