PENSAMENTO PLURAL A ditadura da Felicidade, por Ricardo Sérvulo
Desde minhas primeiras caminhadas na década de 1980 no curso de direito, as linhas de repulsa às ideias ditatoriais me foram forjadas e formadas solidamente. Essa característica devo e muito ao meu querido professor da disciplina de “teoria geral do estado”, Ivo Sérgio Borges da Fonseca, cujo jurista hoje é meu grande amigo, mas sempre mestre e que tenho a honra de ombreá-lo como confrade na APLJ – Academia Paraibana de Letras Jurídicas, coisas de um caprichoso escriba e artífice chamado destino.
Deriva daí a vontade de me distanciar de tudo aquilo que me é imposto, à exceção dos meus deveres por absoluto comando derivado de obrigação legal, obviamente. Assim, tudo que não estou submetido à norma jurídica não me inclino vocacionado a seguir, a ser genuflexo.
É exatamente nesse passo que tenho muita dificuldade em acompanhar o movimento de rebanho social, o que os sociólogos e antropóloga nominam de “atitude de manada”, onde sou compelido a acreditar que tenho por estigma o império de ser feliz.
Rebelo-me calmamente contra a busca de um corpo apolíneo que tem como passaporte o encontro à felicidade ao ajuste dos moldes convencionais, bem assim a procura do último modelo do carro da moda, a caça aos restaurantes e bares concorridos, ou dos padrões normativos sociais que denotam supostos sinais de aportes desse tipo de coisas. E, por inquietação me pego pesando: onde está escrito que tenho o direito ou a obrigação de ser feliz? Alguém tem o número da lei que diz isso? Qual a garantia que tenho que ao cumprir um roteiro, assim o serei? A resposta é: não tenho a menor ideia onde possa me encontrar com tais certezas. E isso é simples: nem você nem eu temos a chancela da passagem de que seremos felizes no trem da vida. Ora bolas!
Para Freud, o criador da psicanálise, “felicidade é a realização, de preferência, de uma demanda represada”. Em si, a felicidade é um estado de espírito, de sentimento, de graça, de lampejo existencial, alquimia de neurotransmissores motivados por impulsos psíquicos que fabricam compostos químicos que foram gerados por algum gatilho, e esse bendito gatilho a todo instante muda. Num momento é um bem que o indivíduo sonhou e se esforçou pra comprar e comprou, noutra ocasião é aquele concurso ou a promoção no emprego que você conseguiu; é um romance que esperava e começou, ou uma separação em uma relação que não se aguentava mais e a aconteceu, e por aí vai…
O fato é que, a sociedade pode até tentar querer obrigar as pessoas a curvarem-se diante da ditadura da felicidade, mas a insubmissão aos grilhões dessa senzala social só manterá você aprisionado se assim você o permitir. Ressalte-se que, a felicidade pode ser encontrada sorvendo uma boa e singela cachaça de engenho, acompanhada de uma sardinha com tomates frescos e pimenta, lógico, ou mesmo bebendo um vinho de alta patente e refino com um presunto e queijo espanhóis de primeiríssima qualidade. Se encontrar a felicidade aproveite-a, mas não lhe seja cativo em freneticamente garimpá-la. @ricardoservulo (Parahyba, 18.I.2022)