PENSAMENTO PLURAL A ema gemeu no tronco do juremá, por Gal Gasset
Em sua crônica “A ema gemeu no tronco do Juremá”, Gal Gasset traça um paralelo entre as biografias dos paraibanos Jackson do Pandeiro e Ricardo Coutinho. Mas, enquanto Jackson “Musicou os sonhos humanos, quebrou preconceitos, reinventou a linguagem”, Coutinho “arrasta-se num moribundo teatro de vampiros, que o ausente público recebe com um misto de náusea e revolta”. Confira a íntegra do seu comentário:
Recentemente foi comemorado o centenário de nascimento do Rei do Ritmo, Jackson do Pandeiro [1919-1982], cantor, compositor e multi instrumentista que nasceu em Alagoa Grande (PB). A mãe dele, Flora Mourão, era uma “cantadora” de coco de roda (tradicional ritmo nordestino). Após ficar viúva, ela e os quatro filhos se mudaram para Campina Grande, em uma viagem a pé que durou quatro dias. Jackson foi engraxate e ajudante de padaria. Na feira, ele conviveu com artistas populares, como “coquistas”, violeiros e repentistas. Nas noites, tocava no Cassino Eldorado, onde aperfeiçoou sua capacidade jazzística.
Na mesma Paraíba de Jackson surgiu Ricardo Vieira Coutinho, o Mago, um sujeito invariavelmente taciturno, que se apresentou como alternativa às oligarquias estabelecidas, pelo viés do socialismo. A partir de 1993, ele ganhou as eleições de vereador, deputado estadual, prefeito e governador. Quando questionado sobre qualquer tema, seus correligionários bradavam: “Deixe o Mago trabalhar!” E assim o Mago se fez. Inclusive plantou seu sucessor João Azevedo no Palácio da Redenção, em um atual governo tíbio e nada tranquilizador.
O talentoso Jackson do Pandeiro foi para João Pessoa nos anos 40 e tocou em boates e cabarés, sendo contratado pela Rádio Tabajara. Depois seguiu para Recife, formado nos instrumentos: zabumba, bateria, bongô e pandeiro, além do violão e da viola. Muitos o consideram o maior ritmista da música brasileira. É famosa a maneira de ele dividir a música, e o próprio João Gilberto aprendeu isso com ele. Ao lado de Luiz Gonzaga, Jackson foi um dos responsáveis pela nacionalização de canções nascidas entre o povo nordestino. A discografia dele possui mais de 30 álbuns, e suas músicas são regravadas frequentemente.
Voltando à Paraíba, em dezembro de 2018 foi deflagrada a Operação Calvário, organizada pelo Gaeco (MPE/PB) e Polícia Federal. Consta nos autos processuais que o Mago Ricardo foi surpreendido no subterrâneo com o lobista Daniel Gomes, da Cruz Vermelha (RS). Só as gravações ambientais constituem mais de mil horas de diálogos cabulosos. Eles falavam de 500 mil réis dados a Ricardo mensalmente, com direito a 13º salário, vindos dos recursos do público, evidentemente. Assim, caiu a máscara do Mago. O mesmo esquema de saqueamento do erário foi montado no Rio de Janeiro com Sérgio Cabral e Pezão. Os números são astronômicos, procure saber.
Nosso Jackson e seu pandeiro, em turnê nacional, voltava de uma apresentação em Brasília, quando foi acometido por um mal súbito no aeroporto. Lamentavelmente, não resistiu ao infarto e deixou a vida aos 62 anos. Foi sepultado no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro, com a presença de músicos e compositores populares, mas sem nenhum medalhão da MPB (Partido da Música Popular Brasileira). Hoje, os restos mortais repousam em um memorial em sua homenagem, feito pelos concidadãos de Alagoa Grande.
A Fundação João Mangabeira, “think tank” mantido pelo partido político PSB, garante ao Mago Ricardo um salário de mais de R$ 30 mil, vindos do Fundo Partidário, que é pago por todos nós. E pior, na qualidade de presidente da instituição, ele é o responsável pela gestão dos R$ 25 milhões do orçamento anual destinado ao partido socialista. Mesmo encalacrado em regime de recolhimento domiciliar e usando tornozeleira eletrônica, o Mago segue fazendo “lives”, nas quais aparece como um baluarte do cenário nacional (pela falta de vivacidade, nem ele mesmo acredita nesse papel).
Jackson e Ricardo, originados de uma mesma terra e tão distantes em essência. Jackson, um pequeno homem agigantado pela arte. Musicou os sonhos humanos, quebrou preconceitos, reinventou a linguagem, brilhou nos salões e radiolas, e ainda hoje permanece atual. Saiu de cena cedo, mas vitorioso. O Mago, no entanto, autoproclamado agente da transformação socialista na pequena, mas astuta, Paraíba, arrasta-se num moribundo teatro de vampiros, que o ausente público recebe com um misto de náusea e revolta. Morto em vida, já derrotado, exibe-se como zumbi. Triste sina, Paraíba.