PENSAMENTO PLURAL A lenta agonia da Polícia Civil da Paraíba: um grito silencioso por socorro, por Palmarí de Lucena

Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena pontua como “a Polícia Civil da Paraíba enfrenta uma crise estrutural e salarial, com delegacias em ruínas, equipamentos precários e servidores desmotivados e minha experiência ao registrar o roubo de um iPhone (no Folia de Rua) revelou a falta de agilidade e segurança nos serviços, apesar do profissionalismo dos agentes, a ausência de investimentos compromete a eficiência da segurança pública e afeta toda a sociedade”. Confira íntegra…

Era uma tarde comum em João Pessoa quando tive meu iPhone roubado. A sensação de impotência diante da perda material se misturava à esperança de que a polícia pudesse, de alguma forma, ajudar. Munido de informações coletadas pelo próprio aplicativo do celular, dirigi-me à 10ª Delegacia da Capital, no bairro de Manaíra, onde fui atendido por um investigador e um supervisor do DISP (Distrito Integrado de Segurança Pública).

A acolhida foi humana, profissional. Ambos os agentes se mostraram dedicados, atentos a cada detalhe do ocorrido. No entanto, o que deveria ser um processo ágil e seguro revelou-se um labirinto de dificuldades. A cada tecla pressionada no computador antigo e desgastado, a realidade da Polícia Civil da Paraíba se desnudava diante de meus olhos: a precariedade do sistema informático, a lentidão em acessar informações, o improviso em meio à falta de recursos.

Enquanto aguardava, minha mente viajava para além daquela delegacia específica. As notícias sobre a situação das delegacias do interior do estado vinham à tona. Banheiros quebrados, paredes sujas, portas e grades corroídas pela ferrugem. O cenário desolador descrito pela Associação dos Policiais Civis de Carreira da Paraíba (Aspol-PB) deixava claro que o problema não era pontual, mas sistêmico. Obras inacabadas, ausência de extintores de incêndio, um descaso que transbordava das paredes e se refletia no semblante dos próprios servidores.

A promessa de reforma e reestruturação das unidades, feita em 2021, parecia tão distante quanto a resolução do meu próprio caso. O labirinto burocrático devorava as promessas do governo, enquanto os policiais, em um esforço quase heróico, tentavam manter o mínimo funcionamento dos serviços. Improvisavam, muitas vezes, ferramentas e soluções, mas o cansaço pesava mais a cada dia.

Os relatos de salários baixos e jornadas exaustivas ecoavam pelos corredores. Não era à toa que, em janeiro de 2025, as forças de segurança se uniram em protesto. Pediam o básico: dignidade. Afinal, como esperar que arrisquem suas vidas diariamente sem o mínimo reconhecimento financeiro e estrutural? A evasão de profissionais, evidenciada pelo dado alarmante de que 43% dos investigadores aprovados em concurso não assumiram os cargos, não surpreendia mais. A carreira policial, antes vista como um chamado, tornava-se um fardo.

Minha experiência pessoal, então, deixava de ser apenas uma narrativa isolada para se transformar em um microcosmo de um problema muito maior. A dificuldade em registrar um simples boletim de ocorrência era apenas a ponta do iceberg. A cada minuto de espera, ficava evidente que a ineficiência não era fruto de negligência dos profissionais, mas sim de um sistema que os abandonou à própria sorte.

É urgente que o olhar das autoridades vá além das estatísticas e alcance as pessoas por trás dos uniformes. A Polícia Civil da Paraíba não precisa de mais promessas vazias; precisa de investimentos reais, de computadores que funcionem, de delegacias seguras, de salários dignos. Porque, no fim das contas, quando a polícia adoece, quem padece é a própria sociedade.

E ali, diante da tela que demorava a carregar, compreendi que meu iPhone roubado talvez jamais fosse recuperado. Mas o maior roubo, de fato, era o da esperança de uma segurança pública eficaz.

 

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