PENSAMENTO PLURAL A perda do monopólio das ruas, por Rui Leitão
Em sua crônica, o escritor e historiador Rui Leitão argumenta que, após meses preservando-se da pandemia, a população de esquerda decidiu reagir, entendendo que valia a pena correr riscos, e ocupou as ruas. “As ruas das principais cidades brasileiras ficaram coloridas com majoritária presença de jovens”, pontua Rui, destacando que as manifestações do último final de semana mostram que não seria mais monopólio da direita. Confira íntegra de seu comentário…
Os apoiadores do governo, estimulados pelo discurso negacionista dos seus principais líderes, nunca respeitaram as recomendações médicas e científicas de proteção à vida. Desde o início da pandemia vêm programando manifestações antidemocráticas sem os devidos cuidados sanitários, como se não estivéssemos experimentando uma tragédia que já vitimou quase quinhentos mil brasileiros. Buscavam passar a falsa impressão de que detinham o monopólio das ruas. E se vangloriavam disso, ainda que as pesquisas de opinião pública já demonstrassem o contrário.
A oposição durante muito tempo se restringia a protestos pelas redes sociais, dominada pela lógica do medo em contrair a terrível doença. A crise provocada pela pandemia jogava a favor da extrema direita, uma vez que seus adversários optavam por obedecer ao que orientava a ciência. Aproveitava-se do recuo compulsório dos verdadeiros democratas para ocupar a praça pública, na tentativa de mostrar uma suposta legitimidade para radicalizar o apoio ao presidente.
A narrativa dos governistas era de que o povo nas ruas dava a autorização para o golpe. O monopólio das ruas era puro blefe. Como só eles comandavam os atos políticos no país, não havia como contestar a ideia de que tinham o domínio das ruas, e, portanto, eram agrupamentos majoritários na população brasileira, ainda que a percepção fosse outra. O apoio popular que tanto proclamavam não correspondia ao que insistiam em convencer.
Lideranças políticas dos mais diversos matizes ideológicos e partidários decidiram romper o silêncio e saíram às ruas para ecoar o grito de protesto contra os que teimam em ameaçar a democracia. Vários fatores concorreram para que fosse rompida a trégua forçada pela pandemia, com os movimentos sociais abrindo nova frente de pressão sobre o governo. É evidente a inquietação popular com a escassez de vacinas. A população se atemoriza diante da mortandade que, diariamente, enluta milhares de famílias brasileiras. Falta competência e compromisso responsável com o gerenciamento da pandemia. Bem como os repetidos ataques ao estado democrático de direito.
As ruas das principais cidades brasileiras ficaram coloridas com majoritária presença de jovens. A população cansou de ficar em casa assistindo tudo passivamente. Resolveu reagir, entendendo que valia a pena correr riscos. Porém, os organizadores do movimento cuidaram em recomendar o uso de máscaras e de álcool gel, observando, na medida do possível, o distanciamento social. E foi o que aconteceu. As manifestações foram pacíficas, mas entusiasmadas.
O fato é que os governistas perderam o monopólio das ruas. Não há necessidade de continuar adotando uma competição de quem tem mais capacidade de ocupar as praças públicas. Até porque as circunstâncias da saúde pública no país não permitem isso. Todavia, foi dado, com muita força, o sinal de que as ruas não são territórios exclusivos dos bolsonaristas.
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