PENSAMENTO PLURAL A senzala se ajoelha diante da casa grande, por Rui Leitão
O escritor e historiador Rui Leitão, em sua crônica, postula como há, atualmente, no Brasil uma “a proclamação de um discurso que argumenta não cabe ao Estado o papel de promotor das políticas sociais igualitárias” e como esses discursos terminam por orbitar sempre a possibilidade de um golpe de Estado, o que, obviamente, segundo Rui, é uma distorção do processo democrático. Confira a íntegra do comentário…
Os submissos costumam imitar seus senhores. É o que se chama sobrevivência subserviente. Quem não entra nesse jogo é chamado de comunista, esquerdopata, petralha, etc. A classe média brasileira, especialmente aquela que subiu na escala social nas últimas décadas, é a que mais se ajusta a esse comportamento de servilismo aos poderosos de plantão. Vê na ascensão da centro esquerda a ameaça de perda de alguns privilégios conquistados. Procura se comportar como se rica fosse. Fantasiada de defensora dos bons costumes da moral, aplaude o discurso da extrema direita, pressupondo de que assim garantirá seu “status quo”. Sem nenhum constrangimento defende o golpe às instituições políticas do país. Pouco importa se a democracia está sendo jogada no lixo.
Percebe-se flagrantemente uma rejeição à ideia de que culturas distintas possam conviver num mesmo espaço. Assim nascem as discriminações e os preconceitos com os grupos classificados como minorias, que não recebem a devida atenção na execução de políticas públicas que atendam suas necessidades básicas. Há a proclamação de um discurso que argumenta não cabe ao Estado o papel de promotor das políticas sociais igualitárias. A classe média, com postura burguesa, repete essa afirmação, em atendimento aos interesses dos que estão no comando do sistema. Os conservadores morrem de medo das inovações.
Boa parte da “senzala” embarca nessa onda antidemocrática, mesmo sabendo que está fazendo uma aposta no escuro, caminhando parta o abismo. Não percebe, ou teima em não querer perceber, o atentado civilizatório que nos ameaça. Alguém pode contestar e dizer: “mas a classe média não pode ser classificada como integrante da senzala”. Tudo bem, ela assume a condição de “capitão do mato”, aquele que mesmo sem ser convidado para sentar à mesa dos patrões, cumpre com fidelidade o que eles ordenam, principalmente quando suas decisões atingem os que estão na base da pirâmide social, contribuindo com a lógica da exploração. Muitos dos que estão na “senzala” pensam e agem como se estivessem na “casa grande”.
Lembrei da frase de uma abolicionista americana, Harriet Tubman: “Libertei mil escravos. Poderia ter libertado muito mais, se eles compreendessem que eram escravos”.
(ilustração acima do livro de Gilberto Freyre “Casa Grande e Senzala”)
Os textos publicados nesta seção “Pensamento Plural” são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Blog.