PENSAMENTO PLURAL Alimentação forçada de moralidade e dogma cristã, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica junina, o escritor Palmarí de Lucena parte da “narrativa extremista daqueles que se arvoram do direito de subverter as garantias do estado democrático laico”, e postula como “cristãos não têm o direito de impor suas doutrinas nas consciências e corpos de todas outras pessoas, forçar moralidade e dogma Cristã a não-cristãos, é uma boa definição de tirania religiosa”. Confira íntegra do comentário…
O movimento antiaborto é em grande parte baseado na fé. Católicos e cristãos evangélicos argumentam que a vida começa na concepção, que fetos têm almas. Baseados nesta crença, querem que qualquer pessoa, independente de denominação religiosa ou situação pessoal, seja impedida de obter serviços de saúde de abortamento. Narrativas antiaborto são armas letais de campanhas políticas, espécie de teste de lítio para políticos ou oficiais eleitos, que defendem o encaminhamento de questões sobre a pertinência do procedimento médico à setores e profissionais em abordagens relevantes à saúde da mulher. Campanhas antiaborto são parte da “cesta básica” da chamada pauta de costumes de partidos direitistas, defensores da “grande teoria da substituição” e a influência de parlamentares identificados com movimentos evangélicos.
Esforços lobistas que hão galvanizado atenção desproporcional sobre o direito ao aborto, em tribunais superiores e legislativos, já sucederam em causar a possível reversão da histórica decisão Roe vs Wade da Corte Suprema dos EUA, que estabeleceu direito constitucional ao aborto no País, em 1973. Enquanto no Brasil, uma cartilha do Ministério da Saúde afirma que, “Não existe aborto ‘legal’ como é costumeiramente citado, inclusive em textos técnicos. O que existe é o aborto com excludente de ilicitude. Todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno”, terceirizando a autoridades policiais a função de realizar laudos periciais e criminalizar um procedimento médico.
Recentemente, o Governador Ron de Santis da Florida promulgou a lei mais draconiana do País, proibindo a maioria de abortamentos depois de 15 semanas, sem exceções para casos de estupro, incesto, ou tráfico humano, exceto para salvar a vida de uma mulher grávida ou para evitar sequelas físicas sérias. Exceções que não são suficientes, para impedir que não viole o livre exercício da fé judaica, de acordo com a Congregação L’Dor Va-Dor, que desafia a constitucionalidade de uma lei baseada em uma única religião, violando também crenças judaicas permitindo que “{…] aborto pode ser necessário para proteger a saúde mental ou bem-estar de uma mulher. Ron de Santis, como outros demagogos antiaborto, afirma que sua posição é motivada pelo amor a vida. “A vida é uma dadiva sagrada digna de nossa proteção”, declarando que “a lei representa a mais significante proteção para a vida na história moderna do estado”. Paradoxalmente, ele é o mesmo político que vetou o uso de verbas do Estado para financiar imunização de crianças contra covid-19 ou de participar em um programa federal de 800 milhões de dólares em ajuda alimentar, para as crianças mais pobres da Florida.
A direita religiosa é frequentemente acusada de tentar dominar as mulheres, como também não-cristãos, incluindo judeus, ateístas, muçulmanos, unitários e muitos outros que não compartilham os mesmas ensinamentos religiosos. A meta do movimento é legislar moralidade e prática religiosa, daí a razão por que liberdade religiosa é tão importante. Cristãos não têm o direito de impor suas doutrinas nas consciências e corpos de todas outras pessoas, forçar moralidade e dogma Cristã a não-cristãos, é uma boa definição de tirania religiosa, que toda constituição democrática laica rejeita explicitamente, ao determinar que o uso de interpretação teológica pelo Estado, viola as convicções e liberdade de dissidentes. Teocracia nem é a liberdade, nem a vida também.
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