PENSAMENTO PLURAL Ameaça de uma recessão da confiança, por Palmarí de Lucena
O escritor Palmarí de Lucena reflete, em seu comentário, sobre o que chama de “recessão de confiança” que está afetando todos os setores da economia, desde a indústria até o comércio varejista e o país, como um todo, “podendo ser um enorme empecilho para a retomada do crescimento econômico e a pacificação do país”. Confira a integra de sua crônica…
A redução mais rápida dos juros estará mais próxima, na proporção que a queda da inflação for acelerada. A dúvida está em qual velocidade essa redução se refletirá em crédito mais barato, gerando impactos positivos tanto no consumo quanto nos investimentos. Existe também a necessidade de um robusto conjunto de medidas fiscais complementares à Política Econômica, sem falar nos riscos inerentes à polarização política, desconfiança com programas sociais e armadilhas do fisiologismo, dificultando o Governo Lula no cumprimento de promessas de campanha, mesmo quando muitos indicadores socioeconômicos parecem melhores agora, desde o início da pandemia.
Confiança é um ingrediente essencial para obter apoio do Congresso e da sociedade, como um todo, para alcançar as metas do governo, principalmente aquelas intrinsecamente ligadas ao crescimento econômico sustentável, equilíbrio das contas públicas, melhoria na qualidade de vida, aumento do consumo e bem-estar social de famílias empobrecidas, mas a confiança é menos quantificável do que outras formas de capital, seu declínio vagamente sentido antes de ser claramente visto.
À medida que as empresas se tornam virtuais durante a pandemia, muitos supervisores questionam se os funcionários que trabalham em home-office estão realmente trabalhando, novos colegas chegam e saem sem nunca terem se conhecido pessoalmente. Um estudo recente com mais de 5.400 trabalhadores finlandeses revelou que, quanto mais tempo os funcionários ficam afastados um do outro durante a pandemia, menos confiança eles têm em seus colegas. Na Austrália uma pesquisa mostrou, que cerca de 60% dos chefes tinham dúvidas ou não tinham certeza, se os trabalhadores remotos desempenhavam tão bem ou eram tão motivados quanto aqueles que trabalhavam no escritório. Demanda por software de vigilância de funcionários aumentou mais de 50% desde antes da pandemia. Embora cada um desses achados possa ter múltiplas causas, juntos apontam em uma direção preocupante: podemos estar no meio de uma recessão de confiança.
Confiança é constituída pela combinação de competência e caráter, conforme um recente artigo publicado no Harvard Business Review. É preciso avaliar se a pessoa é capaz de produzir um trabalho de qualidade e se é uma pessoa íntegra para conquistar a confiança de colegas de trabalho em ambos os aspectos. Para demonstrar essas qualidades, as pessoas precisam dar sinais claros e facilmente discerníveis. Gardner e Mortensen, especialistas em organização, argumentam que a mudança para o trabalho remoto tornou mais difícil para os profissionais mostrar essas características.
Distanciamento social e a pandemia contribuíram para aumentar o isolamento e interrupções, tornando os trabalhadores desconectados, especialmente quando estão trabalhando ou voltando de home-office. Adicione a isso um clima político que pede reflexão sobre as diferenças – étnicas, geracionais, ideológicas e socioeconômicas – que nos separam dos outros, e o resultado é uma situação complexa para muitas pessoas.
A recessão de confiança é uma ameaça que afeta praticamente todos os segmentos da sociedade e dificulta a marcha do progresso do Brasil. É necessário investir na construção de um clima de confiança e assegurar a participação da população na resolução dos nossos problemas socioeconômicos, como fundamental para o fortalecimento da identidade nacional, construção de um país justo e solidário.
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