PENSAMENTO PLURAL Arapuca de ditador, por Palmarí de Lucena
O escritor Palmarí Lucena aborda, em sua crônica, a guerra na Ucrânia, procurando compreender os limites e intenções russas na Ucrânia e outras partes do mundo. Palmarí, que percorreu, durante décadas, vários países do mundo, tem o conhecimento da geopolítica que autoriza comentar sobre as relações internacionais, que permeiam a invasão russa e os seus desdobramentos. Confira a íntegra de seu comentário…
Em menos de um mês depois da invasão russa da Ucrânia, as ações belicosas de Putin, líder louvado como um “gênio estratégico” por Donald Trump, conseguiram revitalizar uma enfraquecida OTAN, unificar uma Europa dividida, transformar um pouco conhecido presidente ucraniano em uma icônica mistura de Churchill e Ché Guevara, destruir a economia da Rússia, solidificando o legado de criminoso de guerra homicida. Erros de cálculo de um político maquiavélico com as rédeas do poder absoluto em suas mãos, controle ilimitado do País, que ele domina temido e incontestado.
Precisamos entender os ecossistemas de poder e informação ao redor de um ditador. Existe o mito recalcitrante do homem forte, experiente (sempre um ele), ser racional, déspota calculista, com o poder de atuar a longo prazo sem preocupar-se com pesquisas de opinião ou a ira dos eleitores. Diferenciando-se daqueles eleitos democraticamente, incapazes de competir com um tirano habilitado a contemplar e definir um legado, sem preocupar-se com os resultados da próxima eleição ou alternância de poder. Autocratas como Putin sucumbem eventualmente, presos na chamada “arapuca de ditador”.
Apesar de seguidores jurarem fieldade, déspotas enfrentam o dilema de como confiar em um grupo de auxiliares, que têm grande motivação de mentir ou de esconder seus verdadeiros pensamentos. Traduzindo livremente o filosofo Xenofonte sobre o inescapável paradoxo da tirania, “[…] Nunca é possível para um tirano confiar que ele seja amado … e conspirações contra tiranos surgem nada mais do que daqueles que fingem amá-los mais”. Narrativas estapafúrdias de déspotas são repetidas por lealistas ad nauseam, que mentem em nome do regime para obter credencial de confiável, se um deles hesitar ou questioná-las, mesmo discretamente, é considerado suspeito. Auxiliares de Putin entendem esta dinâmica, daí a razão por que estão dispostos a repetir absurdas acusações de que um judeu preside uma beligerante Ucrânia Neonazista.
Mentiras, as chamadas fakenews, também podem acontecer em democracias com líderes autoritários, considere quantos republicanos caíram um sobre um outro, para endossar as mentiras de Donald Trump sobre a eleição presidencial de 2020, para provar fidelidade com o movimento MAGA – Tornar a America Grande Novamente ou brasileiros que acreditam nas falas inverídicas de Jair Bolsonaro, sobre o sistema de urnas eletrônicas ou uso de medicamentos off label com eficácia questionável no tratamento da covid-19, para demonstrar fidelidade ao viés extremista do mandatário.
Democracia é um sistema quase perfeito, pode ser as vezes bagunçado ou desprovido de visão, as mais poderosas, a exemplo da norte-americana, são ocasionalmente disfuncionais. Presidentes eleitos democraticamente enfrentam restrições reais, resistência a erros de cálculo e críticas abertas pelo povo. Existem mecanismos legais para substitui-los, quando se comportam de maneira irracional ou irresponsável. Mito de líder autoritário ou o ditador, que é um “gênio geopolítico” extrapola os limites de um estado genuinamente democrático, Putin caiu na arapuca de ditador, suas ações mostraram que as qualidades a ele atribuídas, são tão ficcionais e nocivas como os argumentos usados para justificar os crimes e a agressão contra o povo ucraniano.
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