O historiador e escritor Rui Leitão trata das vivandeiras, ou seja, civis que opinam em questões militares dando muitas vezes palpites desprovidos. Segundo Rui, apesar das Forças Armadas já terem sinalizado contra uma intervenção militar, muitos militantes seguem manifestando o “desejo masoquista de viver sob o império do arbítrio e do autoritarismo, abrindo mão da liberdade de agir e de pensar”. Confira a íntegra de seu texto:
Tenho ouvido com alívio e orgulho informações de que vários oficiais de alta patente das Forças Armadas brasileiras, recusam audição a algumas vozes de alienados clamando por intervenção militar. Manifestações acima de tudo patrióticas e revelam o quanto estão cônscios de suas responsabilidades em defesa da Pátria e da garantia dos poderes constitucionais, bem como da lei e da ordem quando convocados. Essa é a função de Estado que lhes cabe de acordo com o artigo 142 da Carta Magna vigente.
À exceção da verborragia de alguns falastrões instalados no Palácio do Planalto, a cúpula das Forças Armadas mostra-se contrária à tomada do poder por vias antidemocráticas. São as vivandeiras alvoroçadas da história republicana, como chegou a afirmar o ditador Castelo Branco, tentando voltar a “provocar extravagâncias do poder militar”. O agravamento da crise política nacional não justifica que se pretenda “matar a democracia” estabelecendo a instalação de um regime ditatorial. A Constituição de 1988 retirou dos militares o poder de decisão intervencionista, não lhes concedendo, portanto, nenhum mandato emergencial para a solução de crises políticas. A situação, então, difere das circunstâncias em que se deu o golpe de 1964.
Esse ensandecido movimento intervencionista é uma manifestação de desejo masoquista de viver sob o império do arbítrio e do autoritarismo, abrindo mão da liberdade de agir e de pensar, em nome de uma equivocada tese de que estamos contaminados ideologicamente por teorias de esquerda que ofereçam risco de nos tornarmos uma nação comunista ou bolivariana. Esse é o discurso antiquado dos que estão nas ruas defendendo a intervenção militar. Tem muita gente disseminando o ódio e o medo para conquistar adeptos a essa campanha.
Os oficiais que se declaram contra a intervenção mostram-se estar a altura do país e do povo brasileiro. Graças a Deus percebe-se uma mudança de mentalidade na cúpula das Forças Armadas. Nelas existe a compreensão de que o importante é garantir um Estado que preserve os seus valores morais e éticos, com a manutenção de um sistema político adequado à nossa formação cultural. Aplaudamos o afastamento do fantasma da ditadura militar e caminhemos em busca do fortalecimento de nossa democracia.
Essas “vivandeiras alvoroçadas” sonham em golpear a ordem constitucional e a democracia, atacando as instituições e tomando o poder. Ainda bem que são minoritários nos quartéis. Há um entendimento dominante de que as Forças Armadas não serão mais usadas para empreendimentos antidemocráticos. Não comungam com o discurso de emparedamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Os intervencionistas são barulhentos, mas são poucos.
Chegam alguns a deturpar o espírito definido pelos constituintes no artigo 142 da nossa Carta Magna, tentando impor às Forças Armadas o “poder moderador”. A quase unanimidade dos juristas brasileiros diz: “O art. 142 da CF coloca as Forças Armadas a serviço da manutenção da lei e da ordem a pedido de qualquer um dos três Poderes. Não dá prerrogativa de o Exército intervir no STF. O povo brasileiro não admite essa interpretação golpista.”. A confusão analítica desse preceito constitucional não encontra amparo legal.
No seu livro “O Militar e a Política”, o general Santos Cruz afirma que “as Forças Armadas são instituições permanentes do Estado brasileiro e não participam nem se confundem com governos, que são passageiros, com projetos de poder, com disputas partidárias, com discussões e disputas entre Poderes ou autoridades”. Portanto, elas não podem ser utilizadas para objetivos ilegítimos contra a Nação e o povo brasileiro.