PENSAMENTO PLURAL Brasil, um país de castas, por Ricardo Sérvulo
Em sua crônica, o jornalista e advogado Ricardo Sérvulo postula como, enquanto no Brasil algumas pessoas da classe política ganham milhares de reais, grande parte da população vive apenas como salário-mínimo, pouco mais de R$ 1,2 mil, e “isso é um verdadeiro escárnio, um acinte, um insulto, um desaforo, um grande tapa moral/imoral na cara da sociedade brasileira”. Confira a íntegra de seu comentário.
Inicialmente impende esclarecermos o significado original do fenômeno sociológico e antropológico das castas, que em sua essência são uma forma de estratificação social personificada pela transmissão hereditária de um modo de vida, de estilo de vida que, frequentemente, inclui uma profissão, um status ritual, plasmando uma verdadeira hierarquia envolvendo as interações sociais. Seu exemplo clássico é a sociedade na modalidade da divisão da sociedade indiana em grupos sociais rígidos, com base numa cultura milenar da Índia, que persiste até os dias atuais.
É de se informar que mesmo no dito país tem diminuído e muito esse fato e fenômeno social, sendo, muitas vezes, utilizado como analogia para o estudo de outros tipos de estratificação social existentes fora da atmosfera indiana. Essa ideia das castas persegue o ser humano desde que o mundo é mundo. As dinastias aconteceram através da história e ainda ocorrem com formas e meios diferentes. Aqui falamos de dinastia no sentido muito mais político do que social. A condição abissal de diferenças de chances no que toca ao acesso e à participação na distribuição de riquezas, presença na ocupação dos próprios cargos públicos e de governança, educação, cultura e qualidade de vida de um modo geral é que é gritante aqui no Brasil.
Esse estado de coisas não pode mais se sustentar, diante da ocorrência de eloquentes desigualdades onde um cidadão brasileiro, por exemplo, ganha R$ 60.000,00 mil reais por mês e o outro igual compatriota ganha a mísera quantia de R$1.200,00 (nos países civilizados o maior salário não excede o menor ao patamar de 5 vezes); sendo que, aquele, ainda tem o direito de receber verbas, penduricalhos e adendos atrevidos para bancar o custo de paletó, saúde, educação, escola, auxílio funeral, quem sabe, até uma ajuda ao “amor ausente”, e por aí vai. Isso é um verdadeiro escárnio, um acinte, um insulto, um desaforo, um grande tapa moral/imoral na cara da sociedade brasileira. Como podemos tolerar isso em plena década de 2022?
O falecido ex-governador da Bahia e também ex-senador, Antônio Carlos Magalhães – o lendário, ACM, de há muito dizia da existência da “vocação genética” para algumas carreiras e cargos públicos do país, inclusive nos de concurso público, sim, é isso mesmo que você está lendo, nos de acesso via concurso público. Infelizmente em muitos casos foi e ainda é assim, pois vez por outra estouram escândalos em certames pelo Brasil inteiro. Na política, principalmente nela, à ocupação de cargos eletivos a coisa é muito complicada; há verdadeiras “cadeiras cativas” tanto no poder legislativo quanto no executivo para linhagens de nobres servidores públicos eleitos. Não que condenemos filhos e netos que seguem o legado de seus parentes antecessores, mas o que causa espécie é o número desse povo que faz isso e é guindado à “árdua missão” de governar e conduzir os destinos de seus administrados.
Para que eu não ocupe a casta de cronistas enfadonhos, finalizo dizendo o óbvio: só há uma maneira de mudarmos esses status social e antropológico, que é o investimento e a cobrança maciça na educação básica e no ensino em nível médio, para que tenhamos a paridade de oportunidades nas carreiras, cargos e condições socioeconômicas nacionais a todos, indiscriminadamente, e republicanamente, tendo acesso ao bolo das riquezas e à qualidade de vida democrática.
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