Nesta carta apócrifa, o escritor Palmari de Lucena observa como Eva Perón aconselha uma primeira-dama moderna a usar sua visibilidade com propósito, empatia e consciência histórica. Sem cargo eletivo, ela ainda representa o povo e deve respeitar os protocolos diplomáticos. “Evita incentiva equilíbrio entre rebeldia e elegância, engajamento social e compostura simbólica, ser lembrado com dignidade vale mais que popularidade momentânea”, profere. Confira íntegra…
Mi querida compañera,
Escrevo-lhe do lado das mulheres que foram amadas por uns, temidas por outros, mas esquecidas por ninguém. Fui chamada de santa e de pecadora, de salvadora e de oportunista, de dama e de atriz. E fui tudo isso — porque toda mulher pública, quando ousa existir com força, será sempre um espelho que incomoda.
Vejo que você caminha entre os corredores do poder com sapatos modernos, redes sociais na palma da mão e uma liberdade que a mim foi negada. E ainda assim, sinto que os desafios permanecem. A cadeira continua sendo do presidente — mas o olhar do povo, muitas vezes, se volta para quem está ao lado dele.
Escute: não subestime esse olhar.
Mesmo sem assinar decretos, você poderá transformar destinos. Mas isso exige coragem. O mundo esperará de você apenas sorrisos, vestidos e frases bem treinadas. Dê-lhes, sim — mas dê-lhes mais. Dê presença onde há abandono. Dê escuta onde há silêncio. Dê rosto onde só havia número.
Seja moderna, mas não rasa. Não há nada mais revolucionário do que uma mulher que usa sua visibilidade para erguer os invisíveis.
E mesmo que se diga apartidária, lembre-se: a fome é política. A falta de afeto nas periferias é política. A violência contra meninas e mulheres é política. Se puder, entre nessa arena — com o coração inteiro e as unhas bem feitas. O povo entenderá.
Mas nunca esqueça: ainda que rompa moldes e reinvente tradições, o protocolo é uma moldura que protege a imagem. Dentro dos salões palacianos, há códigos que valem mais do que palavras. Transgredi-los pode ser ousadia. Mas ignorá-los por vaidade é imprudência. Caminhe com firmeza, mas com leitura. Há elegância na rebeldia — e há rebeldias que se perdem por falta de elegância.
E prepare-se: serás julgada por tudo. Pelo que fizeste e pelo que não fizeste. Pela roupa e pelo silêncio. Pela força e pela ternura. Mas se tiveres amor ao povo e respeito por ti mesma, nenhum julgamento te derruba.
Que tua jornada seja tua — com seus erros, acertos e marcas. E que, ao final, possas dizer como eu disse: “Volveré y seré millones.”
Com ardor e memória,
Eva Duarte de Perón
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