Nessa carta imaginária, concebida pelo escritor Palmarí de Lucena, a ex-ministra de Israel Golda Meir, adverte os evangélicos sobre os riscos do fanatismo travestido de fé. Convoca à compaixão, ao diálogo e à justiça como fundamentos verdadeiros da espiritualidade. Em tom sereno, denuncia a instrumentalização da religião como arma e suplica: que a fé não vire trincheira, mas abrigo. Um chamado ético à escuta e à convivência. Confira íntegra…
Sobre fé, justiça e os perigos do fanatismo
Queridos irmãos e irmãs da fé evangélica,
Falo-vos do silêncio da história, onde as vozes do passado ecoam não para condenar, mas para advertir. Venho como filha de um povo que quase desapareceu entre fogueiras e trincheiras. Como mulher que liderou uma nação em meio ao medo e à esperança. Como alguém que acreditava mais na força da dignidade humana do que na retórica dos púlpitos.
Se me dirijo a vocês, é porque reconheço a paixão com que vivem sua fé. A devoção de muitos entre vocês por Israel é sincera, comovente até. Mas há algo que precisa ser dito, e que talvez só alguém de fora possa dizer com amor: fé sem compaixão se torna pedra. E pedra, quando arremessada, deixa de ser fundamento para se tornar arma.
Ao longo da minha vida, vi o fanatismo religioso desfigurar a face de Deus. Vi homens usarem a Bíblia como espada, e não como espelho. Vi crianças ensinadas a odiar antes mesmo de aprenderem a perdoar. Vi guerras travadas em nome de promessas divinas que, na verdade, nasceram do orgulho humano.
A fé que constrói não é a que grita, mas a que escuta. Não é a que exclui, mas a que abraça. Quando uma religião passa a justificar a morte do outro, ela já não serve a Deus — mas a uma vaidade disfarçada de santidade.
Jesus, que vocês proclamam como Salvador, morreu nas mãos do fanatismo. Condenado por religiosos que o temiam, não por criminosos. Ele pregava um Reino que não se impunha pela força, mas pela verdade. Sua cruz é também um espelho — e nela devemos ver os perigos de toda religião que se aproxima demais do poder e se afasta demais do amor.
Não peço que neguem suas convicções. Peço que as interroguem com humildade. Que as usem para curar, não para segregar. Que vejam o outro — o muçulmano, o judeu, o ateu, o palestino — não como ameaça, mas como espelho do mesmo sopro divino.
Israel, meu país, precisa de amigos que nos ajudem a buscar a paz, não que nos empurrem para a guerra. O mundo precisa de religiosos que sejam construtores de pontes, não sentinelas de muralhas.
O fanatismo é filho do medo. E o medo é vencido não com gritos, mas com escuta. Não com certezas absolutas, mas com perguntas sinceras. Por isso vos escrevo: não deixem que a fé se transforme em trincheira. Façam dela abrigo. Não repitam, em nome de Deus, os erros que a humanidade cometeu em nome d’Ele.
Se a Terra Prometida existe, ela começa dentro de cada coração que escolhe a justiça em vez do ódio. E se o Messias há de vir — como creem vocês, e como esperam os meus — que Ele nos encontre de mãos dadas, não de dedos em riste.
Com respeito e esperança,
Golda Meir
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