PENSAMENTO PLURAL Carta apócrifa de Jean-Jacques Rousseau aos eleitores brasileiros, por Palmarí de Lucena

Nesta carta apócrifa, concebida pelo escritor Palmarí de Lucena, o filósofo Jean Jacques Rousseau exorta os eleitores brasileiros a votarem com consciência e responsabilidade. Adverte contra o clientelismo, a apatia e o silêncio cívico, lembrando que a verdadeira liberdade exige virtude, participação ativa e compromisso contínuo. O voto é mais que escolha: é renovação do pacto social. A soberania, afirma ele, pertence ao povo — sempre. Confira íntegra…

Senhores eleitores,

Permiti que vos fale, não como uma sombra do passado, mas como um cidadão sem tempo, que ainda crê na razão e na liberdade como caminhos possíveis. Falo-vos não em nome de uma ideologia, mas em nome do povo — esse que, por direito, deve ser senhor do próprio destino.

Pergunto: que valor tem o voto, senão como expressão da vossa vontade soberana? E que valor tem essa vontade, senão quando nasce livre de pressões, favores e interesses que não são os vossos? Votar não é apenas assinalar nomes numa cédula. É renovar, com consciência, o pacto entre governantes e governados — pacto que só é legítimo quando nasce da virtude cívica e do compromisso coletivo.

Fui, muitas vezes, acusado de sonhar alto demais, de inspirar revoluções. Mas nunca defendi o caos — defendi a liberdade como obediência àquilo que o próprio povo decide em comum. A verdadeira liberdade não está em fazer tudo o que se quer, mas em seguir leis que tenham sido construídas por todos, em benefício de todos.

Lamento, contudo, observar — do ponto onde me encontro, além do tempo — que muitos de vós tendes trocado o direito de decidir por pequenos favores. Confundis liberdade com permissão irrestrita, e cidadania com silêncio conformado. Assim, o voto torna-se apenas peça de um jogo previsível, em que a aparência de escolha serve, muitas vezes, para reforçar interesses privados.

Mas lembrai-vos, senhores, de que o contrato social não se assina a cada quatro anos. Ele é compromisso contínuo entre iguais — sustentado pela confiança mútua e pela atenção permanente. Um governo que ignora isso perde a legitimidade. Um povo que esquece isso abdica da própria liberdade.

Portanto, rejeitai o voto apressado, movido pelo desespero ou pela conveniência. Escolhei com consciência: não aquele que mais fala, mas o que mais escuta; não o mais carismático, mas o mais coerente. E, depois do voto, não vos ausenteis: participai, fiscalizai, cobrai. O cidadão que só fala nas urnas acaba prisioneiro do próprio silêncio.

Não há liberdade sem virtude. Não há república sem um povo atento. E, se um dia vos disserem que não sois capazes de decidir por vós mesmos, erguei a voz e respondei: “Somos o povo, e a soberania reside em nós.”

Com respeito e esperança,
Jean-Jacques Rousseau

 

Os textos publicados nesta seção “Pensamento Plural” são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Blog.