PENSAMENTO PLURAL Carta apócrifa de José Carlos da Silva Júnior aos jovens empreendedores, por Palmarí de Lucena

Em mais uma carta da séria apócrifas, do escritor Palmarí de Lucena, traz como, na varanda da vida, José Carlos da Silva Júnior oferece aos jovens empreendedores um café forte e lições de sabedoria: crescer sem pressa, sem soberba, com fé no trabalho e respeito ao próximo. Valoriza a tradição aliada à inovação, o corpo bem centrado e a memória como raiz da decência. Um legado sereno de coragem, humildade e lucidez. Confira íntegra…

Meus filhos,

Se me permitem esse tratamento carinhoso, quero dividir algumas palavras com vocês, como quem estende uma cadeira no alpendre e oferece um cafezinho forte, moído na hora — que é como devem ser as boas conversas: sinceras, diretas e cheias de aroma de verdade.

Não fui feito de teorias, mas de prática. O que aprendi, aprendi com a palma da mão no saco de café, o ouvido atento aos mais velhos e o olho sempre voltado pro futuro. Comecei pequeno, ao lado de meu pai, no trabalho de torrar e empacotar café. Era café e fubá, suor e coragem. A gente começou sem luxo, mas com honra. E mais tarde, quando compramos a marca São Braz, sabíamos que estávamos adquirindo mais que um nome: estávamos assumindo um compromisso com a qualidade e com o povo.

E é com esse espírito que lhe dou meu primeiro conselho:
Não tenham vergonha de começar pequeno. Tenham medo é de pensar pequeno.

Sonho bom é aquele que cabe no bolso da esperança, mas cresce no compasso do esforço. O Brasil não se move por decreto nem por promessa, mas pelo trabalho de gente que acorda cedo e dorme tarde, mesmo sem holofote nem tapinha nas costas.

Fui dos primeiros na Paraíba a comprar um computador. Diziam que era bobagem, que empresa boa era na prancheta e no caderninho. Mas eu sabia: quem tem medo da novidade morre encostado no passado. Negócio que quer durar precisa andar junto com o tempo, sem esquecer suas raízes. A tradição e a inovação não são inimigas — são irmãs que caminham lado a lado.

E falo também do corpo, esse nosso primeiro instrumento de trabalho. Muitos se espantavam de me ver aos 90 anos ainda firme, comandando reuniões, visitando fábricas, pensando novos caminhos. O segredo? Além do café e da disciplina, o Pilates me ensinou a respeitar o eixo.

Sim, meus filhos, Pilates. E lá eu aprendi que a força que realmente sustenta não é a que se exibe, mas a que se organiza por dentro. Que não é preciso pressa, mas precisão. Que esticar exige coragem, e que respirar direito ajuda a tomar decisões melhores. Como nos negócios: a gente só vai longe se tiver centro, equilíbrio e flexibilidade.

Se puderem, levem isso pra vida de vocês: alonguem o pensamento, fortaleçam o caráter, respirem antes de agir. Um corpo rígido quebra fácil; uma mente apressada erra mais.

Outro conselho que deixo: respeitem quem trabalha com vocês. Nenhuma empresa se faz só com dono. É o chão de fábrica, o caminhoneiro, a moça do empacote, o técnico do almoxarifado — todos juntos, puxando o barco. E quando o barco navega bem, não é só o capitão que merece aplauso. É a tripulação inteira.

Evitem a soberba dos números vazios. Não confundam crescimento com ganância. Um faturamento bilionário não vale nada se for construído com exploração ou indiferença. E quando der certo — porque, com fé e persistência, vai dar — não se esqueçam de quem vocês eram antes do primeiro cliente. A memória é a raiz da decência.

Se errar, peça desculpa. Se acertar, agradeça. E, principalmente, não percam o gosto de trabalhar. Porque o grande segredo da minha vitalidade sempre foi esse: o trabalho bem feito, feito com gosto, feito com verdade.

De um paraibano que aprendeu a vida com a roça, a fábrica e a sala de reunião — e que nunca teve vergonha de dançar conforme a música, desde que fosse música honesta,

José Carlos da Silva Júnior
(Em memória, com gratidão)

 

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