PENSAMENTO PLURAL Carta apócrifa de Marcus Tullius Cicero ao prefeito Cícero Lucena, por Palmarí de Lucena

Mais um texto notável do escritor Palmarí de Lucena. Palmarí cita que, em carta apócrifa, Marco Túlio Cícero aconselha o prefeito Cícero Lucena a cultivar virtude, transparência e parcimônia; tratar a cidade como bem público; falar com clareza; investir em educação, saúde e cultura; preservar patrimônio e memória; ouvir dissensos; e medir cada ato pelo legado que deixará. “Um governo exemplar supera críticas e dignifica o povo, com justiça e honestidade perenes”, registra. Confira íntegra…

Digníssimo homônimo e magistrado da urbe litorânea que chamais João Pessoa,

Saúdo-vos com estima que atravessa milênios, pois partilhamos não apenas o prenome, mas a honra — sempre frágil — de conduzir assuntos públicos. Permiti que um antigo cônsul de Roma, já convertido em pó de pergaminho, vos dirija algumas reflexões sobre a arte de governar.

Virtus ante omnia. A grandeza de um mandato não reside em obras de pedra ou em cortes de fita, mas na firmeza moral de quem decide. Persuadi-vos cada manhã de que nenhum contrato, decreto ou discurso vale se não nascer de consciência íntegra. Fazei da transparência a vossa couraça; nada teme o governante que expõe suas contas à clara luz do fórum.

A cidade é res publica, não res privata. O poder vos foi confiado como se confia a um tutor o bem de um menor. Tratá-lo como bem próprio é trair o espírito republicano. Recordai-vos de que praças, praias, manguezais e calçadas pertencem ao povo; que jamais o peso de um interesse particular sobrepuje o direito coletivo de respirar, caminhar e existir.

Cultivai a eloquência — não o artifício. A palavra é ponte entre governante e governados. Falai com clareza, sem ornamentos vazios; explicai custos, prazos e limites. Promessas infladas são como edifícios sobre terreno alagadiço: cedo ruem, soterrando reputações.

Sê prudente nas finanças. Roma aprendeu, por duro exemplo, que impostos mal aplicados corroem a fé pública. Gasto supérfluo hoje constrange a escola amanhã, precariza o hospital depois de amanhã e, enfim, agiganta a desesperança. Orçai com parcimônia; investí em cultura, saúde e educação — pilares que sustentam séculos, não mandatos.

Protegei o patrimônio e a memória. Vosso litoral, vossos solares coloniais, vossas tradições populares são mais que atrativos turísticos: são âncoras identitárias. Um governante sábio preserva o passado para inspirar o futuro, pois um povo sem memória é massa moldável ao primeiro demagogo.

Ouvi os dissensos. Em minha Roma, quantas vezes o Senado tropeçou por desdenhar vozes discordantes! Cercai-vos, pois, de conselheiros que ousam contradizer-vos. Da fricção de ideias nasce a centelha da solução justa.

Lembrai-vos do tempo. Mandatos voam; legados ficam. Perguntai-vos, diante de cada ato: “Resistirá às estações? Será lembrado como proveito comum ou como vanglória efêmera?” A posteridade é juiz severo.

Se vosso governo semear virtude, prudência e amor pela cidade, não precisareis temer panfletos de oposição nem crônicas ferinas. A crítica perde fôlego quando o exemplo governa. Assim, pois, avançai, prefeito Cícero, sem perder de vista que o verdadeiro triunfo é ver um povo viver com dignidade, e sentir-se parte de algo maior que si mesmo.

Valete in republica,

Marcus Tullius Cicero
(Escrito em tinta de lembrança, sob o rumor distante dos fóruns e com o sopro salgado do Atlântico a refrescar ideias antigas)

 

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