PENSAMENTO PLURAL Carta apócrifa do ladrão para o presidente da APL Ramalho Leite, por Palmarí de Lucena

Em mais uma carta apócrifa, o escritor Palmarí de Lucena registra a espístola de um suposto ladrão ao presidente da Academia Paraibana de Letras, que, recentemente, afixou à frente da entidade um cartaz, suplicando que o ladrão não roubasse mais uma casa de imortais. “se a Academia fosse feita só de mortais, com contas a pagar e armários novos da Tok&Stok, talvez eu me animasse de novo”, ironiza o suposto ladrão. Confira íntegra…

Ao Ilustríssimo Sr. Ramalho Leite,Presidente da mui respeitável Academia Paraibana de Letras

Venho, por meio desta epístola clandestina, responder – com humildade e um tiquinho de deboche – ao bilhete que o senhor deixou na porta da casa de vocês: “Não se rouba alma, aqui só tem imortal!”

Pois é, presidente… talvez esse tenha sido meu maior erro: roubar um lugar onde ninguém tem corpo, só espírito. Roubar de imortal é, convenhamos, um gesto meio inútil. Mas veja: se fossem mortais, talvez tivessem mais meios — e um Pix — pra repor o que levei. Pena que são eternos… e meio duros.

Sobre a bengala de Augusto dos Anjos… sim, fui eu. Não por desdém ao poeta – que até gosto, embora seja meio sombrio pro meu gosto -, mas por necessidade. Derreti, vendi, e deu pra comprar umas coisinhas básicas: sabão, fuba, uma lâmpada nova pra cozinha. Nada épico, mas aliviou o mês.

O problema é que, mesmo com lucro quase zero, a repercussão foi de escândalo internacional. Fui citado mais que o próprio Augusto. A imprensa falou, a PM apareceu, o senhor botou cerca elétrica e ainda teve a elegância de me dedicar uma frase em mármore.

Senti-me importante. Mas também meio burro.

Achei que ia passar batido, que ninguém sentiria falta de um guarda-pó antigo, um busto, uma bengala. Afinal, pensei: quem precisa disso se já é imortal? Mas aprendi que há objetos com alma – e que mexer com a memória de vocês é mais perigoso do que mexer com ouro.

Por isso, prometo: não volto. Não por medo da polícia, mas porque sair no jornal e ainda ser chamado de “senhor ladrão” me deu um tipo estranho de status… e vergonha.

Que fique registrado: se a Academia fosse feita só de mortais, com contas a pagar e armários novos da Tok&Stok, talvez eu me animasse de novo. Mas como só tem espírito nobre e eternidade nas prateleiras… deixo os senhores em paz.

Com respeito e ironia,

O Ladrão Anônimo (agora um pouco mais consciente)

João Pessoa, ano de nossa sobrevivência, 2025

 

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