PENSAMENTO PLURAL Carta do tribuno Tibério ao ilustre deputado federal Hugo Motta, por Palmarí de Lucena

Interessante texto do escritor Palmarí de Lucena, utiliza uma imaginária epístola do Tribuno Tibério Graco para saudar Hugo Motta por defender equilíbrio fiscal, mas adverte que democracia requer também justiça social. Recorda sua reforma agrária em Roma, e exorta o deputado a ampliar crédito, tecnologia e mobilidade, resistir a lobbies poderosos e adotar transparência radical no orçamento. “Conclui que prudência fiscal deve caminhar com ousadia inclusiva para evitar desigualdade corrosiva e preservar sonhos do povo”, diz o texto. Confira íntegra…

Saudações de Roma, onde, mesmo passados mais de dois milênios, o vaivém das ambições políticas e das esperanças populares continua a ecoar nos mármores do Fórum. Falo-vos eu, Tibério Semprônio Graco, tribuno da plebe no distante 133 a.C., quando ousei confrontar o Senado para restaurar à multidão aquilo que dela havia sido usurpado: a terra, o pão e a dignidade.

Ouvi dizer que havéis assumido a presidência da Câmara com votos abundantes e um lema vigoroso: “Não há democracia com caos econômico.” Vejo nisso nobre prudência — pois o tesouro vazio, como bem sabem os arquivos da República, gera tumulto que nenhum orador consegue apaziguar. Contudo, permiti-me recordar-vos que finanças equilibradas são condição necessária, mas jamais suficiente, para preservar a república: se o povo não percebe justiça na partilha dos frutos comuns, logo declarará falência à própria esperança.

Quando propus o agrum publicum (nosso antigo solo estatal) aos camponeses desalojados, não o fiz para delapidar cofres, mas para impedir que Roma se erguêsse sobre a ruína moral dos excluídos. Vós, que reagistes ao aumento do IOF como a um improviso fiscal — chamando-o “gambiarra” — mostrais zelo contra remendos apressados. Contudo, lembrai-vos de que o zelo pelo equilíbrio deve caminhar com o zelo pela inclusão.

O Brasil contemporâneo, pelo que me contam vossas crônicas, enfrenta concentração fundiária tão vasta quanto aquelas latifúndios que combati. Há também novas “terras” a repartir: crédito, tecnologia, mobilidade social. Creio que vossa liderança pode — e deve — engendrar reformas que devolvam ao cidadão comum não só a confiança nos números, mas a posse simbólica do futuro.

Não ignoreis, porém, o poder da aristocracia econômica. Quando pedi limites de quinhentos jugera aos patrícios, eles brandiram tradutores da lei, atrasaram votações e, por fim, acharam lícito tirar-me a vida. Vós enfrentareis, em tempos modernos, semelhantes táticas: luxuosas lobby houses em vez de togas, mas o mesmo apetite voraz. Preparai-vos, pois, para resistir não apenas com decretos, mas com alianças sinceras junto à plebe, à imprensa livre e aos que se levantam contra privilégios indevidos.

Recomendo ainda a transparência radical: publicai dados de execução orçamentária como cartas sobre a mesa; permiti que cada eleitor veja onde o gravame pesa e onde alivia. Nada desarma as facções melhor que a luz do sol, e nada fortalece um presidente da Câmara tanto quanto a confiança de que se governa sem véus.

Encerro conclamando-vos a unir prudência fiscal e ousadia social. Roma aprendeu, a custo de sangue, que muros de mármore racham quando o povo treme de fome; mas estradas firmes, escolas acessíveis e tributação justa sustentam legiões e sonhos. Que vossos atos não sejam apenas barricada contra o caos econômico, mas ponte sobre o abismo da desigualdade.

Vale,
Tibério Semprônio Graco
Tribuno da Plebe da República Romana.

 

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