PENSAMENTO PLURAL Depois de nós, o dilúvio. Por Gal Gasset
Em sua crônica “Depois de nós, um dilúvio”, a pensadora Gal Gasset aborda os mais recentes escândalos registrados na Paraíba, e faz observações sobre o comportamento do ex Ricardo Coutinho, que insiste em se apresentar como “doutrinador”, apesar de ser apontado pelo Gaeco, a Justiça e todos os delatores da Calvário como chefão do maior esquema de corrupção da Paraíba, que teria desviado, por baixo, R$ 234,2 milhões só em propinas. Confira a íntegra de seu comentário:
Abençoada Paraíba, nascedouro do sol no extremo oriente das Américas. Terra de grandes homens. O gênero masculino compreende o conjunto de homens e mulheres, independente de orientação afetiva ou estética. Enquanto os lacradorex distraíam todos e todas com beijaços e abortaços, os cofres públicos foram esvaídos. Mas voltemos ao Sublime torrão, de onde brotaram Augusto dos Anjos, José Lins do Rêgo, Ariano Suassuna e Sivuca, assim como Glorinha Gadelha, Marinês, Cátia de França e Roberta Miranda, para ficar no campo das artes. Esta é a glória que fica, eleva, honra e consola, disse Machado de Assis.
O litoral sul paraibano tem belas praias: Carapibus, Tabatinga, Coqueirinhos e Tambaba. Os balneários pertencem ao Conde, cidade vizinha a João Pessoa. Apesar da significativa arrecadação de impostos e outras fontes de recursos, o lugar possui uma estrutura bastante acanhada. A prefeita do Conde, Márcia Lucena, foi enquadrada pelo Gaeco (MPE/PB) e agora ostenta no tornozelo um adereço com GPS, o que a impede de sair da comarca sem autorização judicial, mas não a inibe de promover festas, com direito a “stories”. Ela já foi secretária estadual de Educação, quando coordenou o fechamento de 300 escolas. Victor Hugo, autor de Os Miseráveis, declarou certa vez: “Quem abre uma escola fecha uma prisão”. O que diria ele nesse caso?
Debaixo dessa terra existem minérios e até gemas de alta qualidade. Dentre elas está a Turmalina Paraíba, que é uma das mais caras e mais raras do mundo. De uma lindeza desconcertante, as pedras verde azuladas podem substituir o papel impresso pela Casa da Moeda, em termos financeiros. O dinheiro em espécie, embora de maior liquidez, é volumoso e difícil de manipular, além de ser altamente depreciável. Especula-se que espúrias transações foram tão extensas, que as cédulas passaram a ser mensuradas em metros cúbicos. Ladinos, Ricardo e o mano Coriolano, os Croutinhos, passaram então a aplicar seu rico espólio nas turmalinas verdes, segundo a polícia. O imaginário popular sustenta que o tesouro está enterrado em botijas sob bananeiras, tal como se poupava no passado.
Atribui-se ao Rei Luís XV a frase “Après nous, le déluge”, traduzida como “Depois de nós, o dilúvio”. A expressão significa que, após a própria saída, as coisas vão se tornar más, e isso não tem importância, o que indica o descompromisso com o destino dos outros. Legar a destruição ao sair de cena tampouco implica em qualquer censura moral ou arrependimento. Nessa fase de isolamento social, por conta do coronavírus, pipocam “lives” nas redes sociais, e Ricardo não fica por fora. O ex-todo poderoso faz melancólicas transmissões para poucas pessoas. Nelas, ele reclama do seu substituto João Azevedo, quanto às escolhas na Saúde, como se nada tivesse a ver com o desfalque nessa área (R$ 134,2 milhões, conforme a Operação Calvário). Ricardo sendo Reicardo.
Mas nem tudo é terra arrasada. Expoentes das instituições, como magistrados, procuradores, delegados, e suas respectivas equipes, têm atuado de forma desassombrada na aplicação da Lei. Existem ainda os jornalistas, os ativistas, e demais profissionais que não compactuam com o crime. E esses são a grande maioria. Para Sun Tzu, na Arte da Guerra, “O general que avança sem desejar fama, e recua sem temer o descrédito, cujo único pensamento é proteger seu país e prestar um bom serviço ao soberano, é a joia do reino”. Nós vamos superá-los.