PENSAMENTO PLURAL Direitos do cidadão contra autoincriminação, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena aborda o “tema preocupante no clima militarizado em que vivemos, flagrante desrespeito aos direitos do cidadão, principalmente os de baixa renda e minorias, usurpação e deformação de garantias constitucionais como pretexto de cometer atos inconstitucionais”, alertando como só iremos ser uma nação mais justa “quando asseguramos que garantias constitucionais serem aplicadas a todos, com imparcialidade e isonomia”. Confira íntegra de seu comentário…
Cena familiar em filmes policiais americanos, enquanto suspeito abordado pela polícia é algemado, um dos agentes de segurança fala ao acusado: “Você tem o direito de permanecer em silêncio. Qualquer coisa que disser poderá ser usada contra você no tribunal. Você tem direito a um advogado, se não pude pagar um advogado, o Estado indicará um.”
Exercício do direito constitucional contra autoincriminação e o devido processo legal, são vilipendiados por políticos e líderes de viés conservador acusando-os de serem incentivos a impunidade, comportamento antissocial e violações dos direitos de vítimas. Paradoxalmente, são os mesmos direitos invocados por políticos, empresários, perpetradores de crimes chamados de “colarinho branco”, que frequentemente alegam serem vítimas de perseguição ou erros de justiça. Acesso privilegiado a advogados, permite que direitos sejam aplicados desigualmente, em detrimento de suspeitos de representação legal adequada para protegê-los de técnicas coercitivas de investigação.
Chicago é considerada a campeã de condenações injustas dos Estados Unidos. Recentemente, um decreto de consentimento resultando de uma ação judicial em favor de cidadãos mantidos incomunicados durante manifestações em 2020, promete corrigir erros e omissões históricas no cumprimento de direitos de acusados contra a autoincriminação e proteção contra confissões obtidas sob coação. Decreto que põe a cidade no caminho certo de encontrar uma maneira concreta de proteger tais direitos, como também de um modelo para outras cidades, estados ou mesmo países.
O decreto obriga o Departamento de Polícia de Chicago a disponibilizar acesso imediato a representação legal, pelo telefone ou presencial, a toda pessoa em sua custódia. Especificamente, o departamento será obrigado a instalar telefones, avisos com o número da Defensoria Publica e linha direta de 24-hora na sala de interrogação, acesso a estes telefones “logo que possível” ou em menos de três horas, salas privadas e confidenciais em todas as delegacias, para serem usadas para realizar três chamadas telefônicas ou acesso direto aos seus advogados ou defensores públicos.
Práticas que têm potencial de corrigir erros que persistiam por décadas, quando o Departamento de Polícia de Chicago usou detenção incomunicável, bloqueio de acesso ao telefone, advogados ou o mundo exterior, criando condições para exploração do isolamento e vulnerabilidade de prisioneiros, causando centenas de milhões de dólares em penalidades e multas por confissões injustas. Criando um caminho seguro para a resolução de problemas de administração de justiça, impacto de detenções e condenações injustas de pessoas de baixa renda e minorias raciais por práticas abusivas, violações de direito contra autoincriminação e devido processo legal.
No Brasil, os acusados contam com garantias semelhantes tais como a expressa no inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Seremos um país mais justo quando asseguramos que garantias constitucionais serem aplicadas a todos, com imparcialidade e isonomia. Mesmo em um estado democrático, não existe justiça sem igualdade.
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