PENSAMENTO PLURAL Ditadura parlamentar: quando o Congresso domina o orçamento, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena alerta como o Brasil vive uma “ditadura parlamentar” disfarçada: o Congresso não só aprova, mas também controla a execução do orçamento. Desde 2015, o poder dos parlamentares sobre as finanças cresceu, com 24% das despesas discricionárias nas mãos deles. “Em vez de planejar políticas públicas, o orçamento é fragmentado para atender interesses eleitorais, deixando o cidadão sem serviços essenciais”, complementa. Confira íntegra…
O Brasil vive uma situação curiosa: nosso Congresso Nacional tem nas mãos um poder que nenhum outro país desenvolvido confere a seus parlamentares. Deputados e senadores brasileiros, ao contrário de seus colegas em países como Canadá, Alemanha e Austrália, não só discutem e aprovam o orçamento, mas também controlam como e onde ele será gasto após a aprovação. Essa interferência direta é única — e preocupante.
A partir de 2015, com a aprovação da PEC do Orçamento Impositivo, o Congresso brasileiro ganhou ainda mais força. Hoje, nada menos que 24% das despesas discricionárias do governo são destinadas a emendas parlamentares. Em outras palavras, quase um quarto do que o governo pode gastar livremente está sob o controle direto de nossos deputados e senadores. Para ter uma ideia, na Alemanha, que ocupa o segundo lugar nesse ranking, esse percentual é de apenas 9%.
Mas a coisa não para por aí. Entre 2021 e 2024, o Congresso direcionou impressionantes R$ 131,7 bilhões em emendas de todos os tipos — um salto de 87% em comparação aos quatro anos anteriores. E o problema não é apenas o tamanho da cifra. Mais de um terço desse montante está nas chamadas emendas de relator e de comissão, o que torna praticamente impossível saber quem realmente decidiu para onde esse dinheiro foi. Mesmo com o Supremo Tribunal Federal declarando inconstitucional o “Orçamento Secreto” em 2022, a prática segue viva, agora sob novos disfarces.
Nos países desenvolvidos, o papel dos parlamentos é claro: eles discutem as prioridades do país e fiscalizam a execução do orçamento, mas não metem a mão na massa depois que a lei orçamentária é aprovada. No Brasil, acontece o contrário. Aqui, o Congresso interfere diretamente na execução do orçamento, indicando onde e como o dinheiro deve ser gasto, mesmo após a aprovação da LOA (Lei Orçamentária Anual). Essa intervenção é exclusiva do Brasil entre as 11 nações da OCDE analisadas pelo estudo do pesquisador do Insper Marcos Mendes e o ex-secretário do Orçamento Federal Hélio Tollini.
E o mais assustador? Em outros países, como nos Estados Unidos, se um parlamentar quer destinar uma verba, ele precisa convencer o Executivo. No Brasil, o Congresso faz o que quer, sem prestar contas ou justificar de onde vai sair o dinheiro para bancar suas emendas. Isso cria uma reserva automática de recursos, sem que ninguém precise arcar com o ônus de cortar de outras áreas.
Enquanto isso, o resultado é um orçamento federal cada vez mais pulverizado, com verbas indo para todos os lados, muitas vezes sem critérios claros ou transparência. O impacto disso é óbvio: um governo que não consegue planejar suas políticas públicas porque parte significativa dos recursos está nas mãos de quem pensa primeiro nas próximas eleições e depois, talvez, no país. A cada ano, o Brasil se distancia mais das boas práticas internacionais de gestão pública, transformando o orçamento federal em um grande jogo de interesses políticos.
No final das contas, quem paga essa conta é o cidadão comum, que fica à mercê de um orçamento fragmentado, sem planejamento e sem eficiência. É hora de repensar esse modelo, antes que ele nos leve a um caminho sem volta.
Os textos publicados nesta seção “Pensamento Plural” são de responsabilidade de seus Autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Blog.