
Livro: Epitacio Pessôa: na Europa e no Brasil
Figura 35: Delegação brasileira à Conferência da Paz. Sentados,
comandante Armando Burlamaqui, Pandiá Calógeras, Epitacio
Pessôa, Rodrigo Otavio e general Malan d´Angrogne; de pé,
os diplomatas do Itamaraty, entre os quais, Maurício Nabuco,
Fernando Souza Dantas, Hélio Lobo, Francisco Pessoa de Queiroz
e J. J. Monis de Aragão.
Neste tributo aos 160 anos de Epitácio Pessoa, contrapõe-se a retórica altiva de Rui Barbosa ao pragmatismo firme do estadista paraibano. “Enquanto a Águia de Haia voava nas palavras, Epitácio edificava a República com atos”, lembra o escritor Palmarí de Lucena, e ainda: “sua memória emerge como farol num Brasil sem estadistas, denunciando a falência moral da política atual e clamando por uma liderança verdadeira.” Confira íntegra…
“A palavra encanta. O gesto governa.” — Epígrafe para um país que ainda confunde retórica com direção.
Neste 2025, o Brasil celebra os 160 anos de nascimento de Epitácio Pessoa — e, mais do que uma efeméride, deveria celebrar a memória de um dos raros estadistas verdadeiros que moldaram a República com lucidez, coragem e senso de Estado.
Há na história do Brasil personagens que se fizeram mito pela palavra e outros que se fizeram pedra, fundação, Estado. Rui Barbosa, a Águia de Haia, alçou voos retóricos tão altos que até hoje suas frases pairam no imaginário jurídico e liberal da nação. Epitácio Pessoa, por sua vez, não voou: fincou os pés no chão da República e, com pragmatismo e firmeza, erigiu pontes entre o sonho e a realidade.
Ambos juristas, ambos homens de letras, ambos diplomatas — mas de naturezas distintas. Rui falava como se escrevesse para a eternidade; Epitácio escrevia como quem assinava decretos urgentes em tempos de angústia nacional.
Rui Barbosa foi o profeta que denunciou os pecados da República com a espada da eloquência. Desafiava o poder, mas nunca o exerceu com plenitude. Foi candidato, nunca eleito. Foi tribuno, nunca governante. Seu liberalismo, por vezes lírico, entrava em conflito com a rudeza das forças políticas que moldavam o país. Sonhava com uma democracia perfeita, mas recusava o barro necessário à escultura do Brasil possível.
Epitácio, ao contrário, desceu à arena. Comandou o país em meio ao caos pós-guerra, às pandemias, às greves, ao levante tenentista e à incerteza de um país que ainda aprendia a ser República. Soube articular a unidade nacional com mãos firmes e gestos calculados. Não buscava aplausos: buscava estabilidade. Seu governo, embora marcado por centralização, consolidou instituições, impulsionou obras públicas e criou alicerces que resistiriam por décadas.
É preciso dizer, com todas as letras: Epitácio Pessoa foi um estadista sem par na história do Brasil. Primeiro nordestino a chegar à presidência, governou com a altivez de quem conhecia o peso das palavras, mas também a urgência dos atos. Não precisava da metáfora, pois tinha a caneta; não prometia revoluções, entregava reformas.
Enquanto Rui tentava redimir o Brasil pela pena, Epitácio tentava estruturá-lo pelo compasso. E essa talvez seja a maior dicotomia entre os dois: um construiu a utopia possível na mente dos brasileiros; o outro, o país real em sua governabilidade difícil, mas concreta.
Hoje, ao evocarmos esses dois titãs da República, impõe-se reconhecer uma verdade inadiável: embora a Águia de Haia tenha riscado com brilho os céus da eloquência nacional, foi o Estadista de Umbuzeiro quem lançou os alicerces firmes da nossa casa comum. Epitácio Pessoa não cabe apenas em estátuas esquecidas, nomes de avenidas ou placas em bronze — ele merece o reconhecimento como timoneiro maior da República, aquele que, sem ilusões nem estardalhaço, conduziu o Brasil por mares bravios com mão firme e espírito lúcido, evitando o naufrágio onde tantos previam o caos.
Se, no passado, homens como Epitácio souberam erguer pilares de estabilidade em meio ao turbilhão, o que dizer de nossos dias, em que tantos se perdem no labirinto da ambição vulgar? O que restou do espírito público quando mandatos viraram moeda de troca e partidos, balcões de negócios? O Brasil de hoje parece mirar a retórica vazia dos que almejam apenas os holofotes, esquecendo que o verdadeiro serviço ao país não se proclama — se constrói. Faltam estadistas e sobram operadores do próprio destino, alheios ao bem comum. A memória de Epitácio Pessoa, nesse cenário, não é apenas celebração: é denúncia contra a indigência moral que tomou conta da política nacional. Que seu exemplo sirva de farol, não de ornamento cívico.
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