Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena trata da aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e afirma que a decisão do Governo dos Estados Unidos, “apresentada como defesa da liberdade de expressão, abriu um flanco delicado entre as duas nações e trouxe à tona o debate sobre até onde vai a legitimidade de sanções unilaterais”. Confira íntegra...
Em pleno agosto de 2025, o Brasil viu-se mergulhado em uma crise diplomática inédita. O alvo não foi um setor produtivo nem uma política pública, mas um ministro do Supremo Tribunal Federal. Alexandre de Moraes passou a figurar na lista da Lei Magnitsky, instrumento jurídico dos Estados Unidos destinado a punir violações de direitos humanos e atos de corrupção. A decisão, apresentada como defesa da liberdade de expressão, abriu um flanco delicado entre as duas nações e trouxe à tona o debate sobre até onde vai a legitimidade de sanções unilaterais.
A reação imediata do mercado expôs o nervo da soberania: bancos retraíram operações, investidores contabilizaram perdas bilionárias e empresas brasileiras viram-se em meio à incerteza. Se, por um lado, a lei americana prevê punições a indivíduos e instituições financeiras que com eles se relacionem, por outro, a extensão de seus efeitos sobre um magistrado estrangeiro desafia o bom senso jurídico. Não por acaso, a jurista norte-americana Jean Galbraith, professora de direito internacional na Universidade da Pensilvânia, lembrou que “apontar nomes é a parte fácil”, mas agravar sanções contra Moraes exigiria “muito mais esforço, capital e levantaria muito mais questões legais”. Suas palavras revelam que a dificuldade não é técnica apenas: envolve o risco de transformar um instrumento de direitos humanos em arma de pressão política.
O governo brasileiro respondeu com firmeza, recorrendo à Organização Mundial do Comércio e anunciando medidas de reciprocidade. A disputa, contudo, ultrapassa a esfera econômica. Trata-se de uma contenda simbólica: de um lado, a acusação de que decisões judiciais brasileiras limitaram a liberdade de expressão; de outro, a percepção de que um país estrangeiro tenta interferir nos mecanismos internos de equilíbrio democrático. O dilema é evidente. O que para Washington soa como defesa universal de direitos pode ser interpretado em Brasília como intromissão inaceitável.
Nesse tabuleiro, contudo, não se pode ignorar os movimentos internos que alimentaram essa crise. O lobby articulado por Eduardo Bolsonaro e por João Figueiredo em Washington contribuiu para inflar a percepção de que o Brasil se afastava dos valores democráticos, servindo de combustível para medidas mais duras contra o país. Tal atuação não apenas foi lesiva para a economia e para o povo brasileiro, que arcaram com tarifas mais pesadas e instabilidade financeira, como também implicou um preço alto em troca de vantagens políticas e pessoais para a família Bolsonaro. O episódio mostra como o uso da diplomacia paralela, orientada por interesses particulares, pode corroer a posição internacional do Brasil e transformar disputas judiciais domésticas em instrumentos de barganha externa.
Nesse contexto, a advertência de Galbraith tem valor pedagógico. O direito internacional opera em zonas cinzentas, onde a legalidade é atravessada pela política. Agravar as sanções significaria ampliar os efeitos para empresas, bancos e talvez mesmo para setores econômicos inteiros — medida que, longe de fortalecer causas universais, poderia apenas intensificar ressentimentos bilaterais e abrir espaço para a retórica nacionalista.
No fim, a lição que se impõe é clara: a democracia não se robustece pela multiplicação de sanções, muito menos pela manipulação de lobbies externos em favor de clãs familiares. O fortalecimento institucional exige a construção paciente de confiança, legitimidade e diálogo entre nações. A voz da jurista americana ressoa como lembrete de que, quando a política acelera mais rápido do que a lei, o resultado raramente é justiça — quase sempre é conflito.
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