Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena traça um paralelo entre o tratamento da Justiça dado ao presidente Lula, quando de sua prisão, e, atualmente, em relação aos processos envolvendo o ex-presidente Bolsonaro. “A comparação entre os dois casos envolve uma diferença notável na abordagem institucional”, observa Palmarí. Confira íntegra...
Nos últimos anos, o Brasil viveu dois episódios emblemáticos envolvendo ex-presidentes da República diante da Justiça. Em ambos os casos, a atuação do sistema jurídico mobilizou a opinião pública, atraiu cobertura internacional e gerou intensos debates sobre os limites entre legalidade, proporcionalidade e garantias constitucionais. O que se observa, com clareza, é que os procedimentos adotados foram significativamente distintos, tanto na forma quanto na condução institucional.
Em 2018, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso após condenação em segunda instância no caso do tríplex do Guaruja, no âmbito da Operação Lava Jato. Sua detenção ocorreu antes do trânsito em julgado, com base no entendimento então vigente do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitia a execução provisória da pena. Ao todo, Lula cumpriu 580 dias de prisão, entre 7 de abril de 2018 e 8 de novembro de 2019, em sala especial na sede da Polícia Federal em Curitiba.
Durante o processo, Lula foi alvo de uma condução coercitiva que gerou controvérsia, já que nunca havia se recusado a prestar depoimento. Os interrogatórios, como o conduzido pela juíza Gabriela Hardt, foram marcados por tensões. Em determinado momento, a magistrada interrompeu o réu e afirmou: “Aqui quem manda sou eu.” A frase repercutiu amplamente e foi vista por alguns setores como sinal de um estilo de condução mais rígido do que o habitual, especialmente em se tratando de uma autoridade política de alto escalão. Mais tarde, o Supremo Tribunal Federal viria a reconhecer a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar os processos relacionados a Lula e declarou a suspeição do então juiz Sérgio Moro, anulando as condenações.
Já no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, as investigações em curso envolvem diferentes frentes, como o uso de cartões de vacinação, tentativas de reversão do resultado eleitoral, uso da máquina pública e articulações políticas com setores das Forças Armadas. Até o momento, Bolsonaro não foi alvo de condução coercitiva nem de prisão preventiva. Compareceu a depoimentos agendados, manteve-se em silêncio em alguns deles — amparado pelo direito constitucional – e teve acesso regular às informações do processo por meio de seus advogados.
A comparação entre os dois casos expõe uma diferença notável na abordagem institucional. Enquanto um foi submetido a medidas antecipadas e procedimentos mais severos, o outro tem sido tratado com maior prudência e deferência por parte do sistema judicial. Essa diferença, por si só, não permite conclusões definitivas sobre culpa, inocência ou favorecimento, mas reacende discussões sobre a uniformidade de critérios no tratamento de figuras públicas submetidas à Justiça.
No Estado Democrático de Direito, o devido processo legal é um princípio fundamental, aplicável a todos os cidadãos, independentemente de sua popularidade, trajetória ou ideologia. A prisão, o interrogatório e a condução processual devem seguir parâmetros objetivos, respeitando os direitos da defesa e evitando qualquer uso político ou simbólico do aparato judicial.
A integridade da Justiça não está apenas no conteúdo das sentenças, mas na forma como os processos são conduzidos. Em momentos de grande polarização política, cabe às instituições manterem a serenidade e a coerência, assegurando que a aplicação da lei não seja interpretada como instrumento de exceção ou privilégio.
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