PENSAMENTO PLURAL Entre pontes, muralhas e tempestades, por Palmarí de Lucena

Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena afirma que comparação entre Lula, Bolsonaro e Trump revela três modos distintos de lidar com o poder. “Lula privilegia a negociação e mantém o funcionamento das instituições. Bolsonaro governa pelo confronto e tensiona a democracia ao transformar adversários em inimigos. Trump eleva esse confronto a um nível extremo, tentando dobrar instituições à sua vontade e questionando resultados eleitorais”, acrescenta, e arremata como “juntos, mostram como as democracias podem avançar, se desgastar ou enfrentar tempestades conforme o estilo de seus líderes”. Confira íntegra…

As democracias, às vezes, parecem cidades à beira-mar. Construídas com esforço, remendadas com pressa, erguidas sobre esperanças que o tempo testa sem piedade. Seus habitantes vivem entre o medo das ondas e o desejo de horizonte. É nesse cenário que surgem figuras como Lula, Bolsonaro e Trump — três capitães diferentes diante do mesmo mar inquieto.

Lula navega como quem aprendeu a lidar com ventos contrários desde cedo. Para ele, governar é rearrumar velas, puxar cordas, negociar com a maré. Sua força não está no grito, mas no gesto de aproximar margens. Conversa com adversários, costura alianças improváveis e aceita que a democracia é um organismo barulhento, imperfeito, mas essencial. Sua bússola aponta para a mesma direção há décadas: reduzir desigualdades, dar voz aos que raramente são ouvidos, tecer políticas públicas como quem tece redes de pesca — largas, para alcançar muitos. Não escapa de tempestades, nem as evita; atravessa-as com a resignação de quem sabe que a política é feita de ondas, não de certezas.

Bolsonaro escolhe outro tipo de embarcação. Não se interessa por pontes ou negociações, mas por fronteiras. Governa como quem vê inimigos em cada farol de alerta, como se a política fosse campo de batalha e não praça pública. Seu discurso é afiado, suas metáforas, bélicas; seu modo de mobilizar, direto, impaciente, inflamado. Mais do que unir, provoca rachaduras; mais do que dialogar, convoca embates. Assim, transformou instituições — imprensa, Supremo, Congresso — em muros a serem derrubados. O 8 de janeiro não foi acidente meteorológico: foi o ponto exato em que a tormenta, alimentada por quatro anos de desconfiança sistemática, encontrou porto para desembarcar.

Trump, por sua vez, não navega: arrasta o mar consigo. Sua liderança opera na lógica do espetáculo, do confronto teatralizado, da desconfiança elevada a doutrina. Ele não apenas desafia as instituições; tenta dobrá-las como quem dobra metal incandescente. Pressionou autoridades eleitorais, desdenhou do Congresso, atacou a imprensa com insistência quase ritual. Sua recusa em aceitar a derrota e o ataque ao Capitólio revelaram que, para ele, o limite não é a lei, mas a plateia. Em sua política, as instituições não são bússolas, mas obstáculos; e o líder não é servidor, mas protagonista absoluto.

Há, porém, um fio que une Bolsonaro e Trump: ambos cultivam a mesma tempestade emocional. Transformam angústias sociais em identidade política, ressentimentos em bandeira e suspeitas em combustível. Vivem do confronto porque o confronto os alimenta. Lula, ao contrário, vive da possibilidade — por vezes ingênua, por vezes necessária — de que a política ainda possa ser o espaço do encontro e não do espancamento simbólico.

A comparação entre os três não é um julgamento, mas uma lente. Mostra que democracias não se perdem apenas em golpes abruptos; elas também se desgastam lentamente, como barcos que deixam a madeira apodrecer enquanto o porto parece seguro. Tudo depende da relação entre líderes e instituições, entre a ambição e o limite, entre a voz do governante e o silêncio dos freios que impedem o poder de transbordar.

No fim, o destino dessas cidades à beira-mar — Brasil, Estados Unidos ou qualquer outra — depende menos da força das ondas e mais da firmeza de suas fundações. Democracias sobrevivem quando líderes aceitam que governar é dividir o convés, não o dominar; quando a sociedade resiste à sedução de salvadores; quando as instituições se mantêm de pé, mesmo sob ventos que pretendem arrancar suas portas.

Lula constrói pontes, Bolsonaro ergue muralhas, Trump convoca tempestades. Três caminhos distintos para o mesmo mar turbulento. A nós, cidadãos, cabe decidir não qual deles é mais alto ou mais vistoso, mas qual deles mantém a cidade inteira à flor da água — sem naufrágios, sem heroísmos vazios, sem o eterno retorno de tempestades anunciadas.

 

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