PENSAMENTO PLURAL Eugenia suave: quando a saúde vira seleção natural, por Palmarí de Lucena

Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena observa como, sob o verniz da liberdade individual, a “eugenia suave” ressurge nos discursos de Robert Kennedy Jr. e Elon Musk: cortam-se serviços básicos, culpam-se os vulneráveis por adoecerem e exalta-se a genética dos “fortes”. “A saúde vira teste de resistência, e o Estado se omite, um projeto silencioso de exclusão social avança, disfarçado de mérito, pureza e eficiência”, diz Palmarí. Confira íntegra…

As políticas da atual administração Trump, com Robert F. Kennedy Jr. à frente da saúde pública, seguem uma lógica perigosa: enfraquecer serviços essenciais para que apenas os mais “fortes” sobrevivam. Isso é o que estudiosos chamam de eugenia suave — uma forma moderna e disfarçada de seleção social baseada na exclusão.

Kennedy diz que antes não havia autismo, obesidade ou doenças crônicas, e culpa alimentos industrializados, sedentarismo e vacinas. Para ele, saúde é só questão de esforço pessoal. Quem não se cuida, segundo essa visão, não merece assistência — e sim as consequências.

Só que saúde depende de muito mais: acesso a bons alimentos, educação, moradia, emprego. Kennedy ignora tudo isso enquanto corta verba, demite servidores e fecha programas de prevenção. No recente surto de sarampo, espalhou mentiras sobre vacinas e exaltou remédios caseiros, mesmo diante de crianças intoxicadas por excesso de vitamina A.

Sua obsessão com o autismo é ainda mais alarmante. Em vez de reconhecer causas genéticas e diagnósticos mais abrangentes, prefere buscar culpados em conservantes e vacinas. Pior: colocou um militante antivacina para “provar” essa conexão, usando discursos que tratam autistas como erro a ser eliminado do gene humano.

Do outro lado, Elon Musk sonha com um mundo cheio de “gênios”. Quer que pessoas inteligentes tenham mais filhos — mas, ao mesmo tempo, corta recursos vitais para grávidas e crianças em regiões pobres. O resultado? Mortes evitáveis e doenças voltando a crescer. Para ele, só vale a pena investir em quem se encaixa em seu padrão ideal.

Kennedy e Musk promovem uma ideia elitista: só os “puros”, “fortes” e “inteligentes” merecem viver bem. Enquanto vendem suplementos e discursos de superação, acabam com creches, programas sociais e assistência a pessoas com deficiência. Defendem o nascimento de todas as crianças, mas abandonam essas vidas logo depois.

Mesmo longe, os efeitos dessas decisões atingem a todos. Com menos vacinas e ajuda internacional, doenças esquecidas estão voltando. E quem sofre primeiro? Os mais pobres, idosos, doentes crônicos — os invisíveis dessa nova seleção.

Kennedy diz que não é justo dar o mesmo tratamento a fumantes e atletas. Ou seja, saúde vira prêmio para quem “merece”. Mas essa ideia destrói a essência da saúde pública: cuidar de todos, especialmente dos mais vulneráveis.

A eugenia suave é sorrateira. Vem disfarçada de liberdade, natureza e meritocracia. Não usa armas, mas dados distorcidos e promessas falsas. E empurra para o abismo quem não se encaixa no ideal de um mundo mais puro — e mais cruel.

 

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