PENSAMENTO PLURAL Freio de arrumação na espionagem digital: o Caso WhatsApp e suas repercussões no Brasil
O escritor Palmarí de Lucena lembra como a decisão judicial contra a NSO Group é um marco na luta contra a espionagem digital. “Em um mundo onde o malware Pegasus espia vidas e dissolve privacidades, o caso expõe abusos em nome da segurança”, postula. E ainda: “No Brasil, a sombra desse software incita debates urgentes sobre ética e controle. Entre leis e códigos, a batalha pela justiça digital continua”. Confira íntegra…
A notícia chegou como uma daquelas mensagens silenciosas que, vez ou outra, surgem no celular: inesperada, mas carregada de significado. Nos Estados Unidos, uma corte federal determinou que a empresa israelense NSO Group era culpada por espionagem ilegal que comprometeu mais de mil usuários do WhatsApp em 2019. À primeira vista, parece apenas mais um desdobramento jurídico. Mas, para os defensores dos direitos humanos, foi um lampejo de justiça em um mundo cada vez mais envolto na sombra da vigilância digital.
O centro desse episódio é o Pegasus, um nome que deveria evocar mitos, mas que se tornou sinônimo de intrusão. Esse malware, desenvolvido pela NSO, é sofisticado como poucos. Ele atravessa barreiras digitais, espia chamadas, lê mensagens e bisbilhota vidas inteiras – de jornalistas, ativistas e dissidentes políticos. Tudo, supostamente, em nome da segurança. Mas, como em toda boa história de espionagem, há uma linha tênue entre proteger e violar.
Desde que o WhatsApp abriu o processo em 2019, a NSO vem negando qualquer irregularidade. Defende-se com o argumento de que suas ferramentas servem a propósitos nobres: combater o crime organizado e o terrorismo. Porém, as acusações e as evidências desenham outro cenário – um em que governos autoritários e interesses privados se unem em um jogo perigoso de poder e vigilância.
A decisão judicial da última sexta-feira não encerra a história, mas a transforma em um precedente. Como disse Will Cathcart, chefe do WhatsApp, “a espionagem ilegal não será tolerada”. É um aviso claro, ainda mais relevante em um mercado de espionagem comercial que, em poucos anos, explodiu como pólvora. Relatórios apontam que empresas de diversos países – de Israel à Macedônia do Norte – estão vendendo suas ferramentas a quem puder pagar. No mínimo, 74 nações já adquiriram tecnologias de vigilância digital.
O Brasil, claro, não ficou de fora dessa trama global. Em 2021, veio à tona que o spyware Pegasus foi apresentado a órgãos de segurança pública e governos estaduais brasileiros. Alegava-se que sua finalidade era legítima: investigar crimes e combater o tráfico. Mas a sombra da dúvida paira. Será que o Pegasus foi, ou poderia ser usado para outros fins? Para monitorar jornalistas? Espionar opositores políticos?
A revelação de que o Brasil estava entre os países com acesso ao spyware da NSO gerou preocupação. Afinal, num país onde a transparência muitas vezes é a exceção, quem pode garantir que ferramentas tão invasivas não ultrapassem os limites éticos e legais?
Mais do que nunca, a sociedade brasileira precisa debater o uso dessas tecnologias. É necessário exigir regulamentações claras e mecanismos de controle que impeçam abusos. Sem isso, corremos o risco de ver a privacidade – já tão frágil – ser reduzida a uma mera ilusão.
Nos Estados Unidos, a decisão contra a NSO é um marco. Para John Scott-Railton, pesquisador do Citizen Lab, ela cria um efeito inibidor. Outras empresas que exploram o mercado de espionagem digital agora pensarão duas vezes antes de tentar expandir seus tentáculos. Essa decisão também ecoa como um alerta: ninguém está acima das consequências, por mais sofisticada que seja a tecnologia ou por mais poderoso que seja o cliente.
A história, no entanto, ainda está longe do fim. No Brasil e no mundo, o caso do WhatsApp contra a NSO evidencia a urgência de proteger os direitos digitais. Privacidade e segurança precisam ser mais que ideais; devem ser compromissos reais, defendidos por leis e pela vontade popular.
E assim, seguimos. Entre tribunais e bytes, entre leis e linhas de código, a batalha pela proteção digital continua. No meio desse campo minado, a decisão contra a NSO é mais do que uma vitória – é um lembrete de que, mesmo na era da vigilância invisível, ainda podemos lutar pelo que é justo.
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