O ciclo de violência em Gaza escancara a brutalidade da guerra. Segundo o escritor Palmarí de Lucena, “o ataque do Hamas, que ceifou vidas inocentes em Israel, não justifica a resposta desmedida que se abate sobre milhões de palestinos, sobretudo crianças, cuja própria existência se vê ameaçada”. E ainda: “Enquanto jornalistas são silenciados e ruínas se multiplicam, em festas distantes erguem-se bandeiras de Israel sem que se ouçam vozes de solidariedade às vítimas, como se a dor alheia fosse invisível.” Confira íntegra...
A cada nova madrugada em Gaza, a contabilidade macabra se repete: bairros arrasados, hospitais transformados em ruínas, famílias despedaçadas. O massacre de palestinos, sobretudo de crianças, expõe um desdém alarmante pela vida humana, como se a morte de inocentes fosse um “efeito colateral” aceitável em nome de interesses militares e geopolíticos. Nada justifica o uso desproporcional da força que transforma escolas em escombros e abrigos em cemitérios.
É verdade que o ciclo de violência recente teve como estopim o ataque brutal do Hamas, que vitimou civis israelenses e provocou dor e indignação. Mas reconhecer essa violência inicial não pode significar fechar os olhos para a assimetria que se seguiu. Um movimento armado, limitado em recursos e poder, enfrenta um Estado que detém um dos maiores arsenais militares do mundo. O resultado é devastador: a punição coletiva que recai sobre milhões de palestinos, esmagando não apenas combatentes, mas crianças, mulheres e idosos, como se toda uma comunidade pudesse ser responsabilizada pelos atos de uma facção.
Enquanto isso, a perseguição a jornalistas que ousam documentar as atrocidades revela a intenção de controlar não apenas os corpos, mas também as narrativas. Cada câmera silenciada é um grito abafado; cada repórter ameaçado é uma testemunha a menos da destruição.
O que se desenrola na Faixa de Gaza é mais do que um conflito entre dois inimigos. É um lembrete sombrio de como a política pode se descolar da humanidade. A retórica da segurança, quando desprovida de limites éticos, converte-se em licença para destruir lares, apagar memórias e ameaçar a própria existência de um povo. E quando o mundo hesita em reagir, normaliza-se a barbárie.
Mais doloroso ainda é perceber que, em lugares distantes, onde as bandeiras de Israel são desfraldadas em plena festa da Independência do Brasil, raramente se ouve uma palavra de solidariedade às vítimas palestinas. Celebra-se a liberdade nacional ao lado de símbolos de um Estado que, paradoxalmente, nega a outro povo o direito de existir com dignidade. Pior: muitos que proclamam ver em Israel uma pátria espiritual se calam diante das crianças soterradas, dos jornalistas silenciados, das mães que choram seus mortos.
As crianças palestinas — corpos frágeis que mal tiveram tempo de conhecer o sentido da palavra futuro — são as primeiras a pagar o preço. O direito internacional, que proclama proteger a infância em tempos de guerra, torna-se letra morta diante da realidade dos escombros. Como aceitar que vidas tão pequenas sejam reduzidas a estatísticas, enquanto líderes e governos se perdem em alianças convenientes, justificativas cínicas e discursos que, em vez de buscar a paz, apenas aprofundam o abismo da destruição?
É nesse ponto que a consciência global precisa se erguer. O massacre em Gaza não pode ser tratado como um episódio distante. É uma questão de humanidade, que nos convoca a rejeitar tanto a violência terrorista quanto a resposta desproporcional que aniquila inocentes, exigindo de todos os povos e governantes uma postura ética que coloque a vida acima da guerra, a justiça acima da força, e a solidariedade acima da indiferença.
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