PENSAMENTO PLURAL Graduados sem rumo: a realidade ignorada dos profissionais invisíveis, por Emir Candeia

Em seu comentário, o professor Emir Candeia observa como, mesmo com um diploma à mão, muitos jovens tem dificuldade de encontrar um emprego. “Assim como ocorre com os doutores, o Brasil repete a lógica perversa: forma pessoas, mas não planeja o destino desse conhecimento”, afirma. Confira íntegra…

O Brasil forma, todos os anos, centenas de milhares de profissionais com diploma universitário em mãos — uma conquista pessoal, familiar e, muitas vezes, social. É o caso de meteorologistas, filósofos, assistentes sociais, economistas, historiadores, geógrafos, entre tantos outros que atravessam anos de estudos com o desejo de contribuir com a sociedade e alcançar dignidade profissional.

Mas a pergunta que ecoa depois do diploma é simples e cruel: onde estão os empregos?

Em muitas dessas áreas, as vagas formais são escassas, mal remuneradas ou inexistentes. Os concursos públicos, que já foram o destino natural de boa parte desses profissionais, estão congelados ou extintos. O setor privado, por sua vez, absorve apenas uma fração ínfima dessas formações. O resultado? Subemprego, bicos, informalidade, abandono da profissão ou até a decisão de ocultar o diploma para conseguir um trabalho mais simples.

Assim como ocorre com os doutores, o Brasil repete a lógica perversa: forma pessoas, mas não planeja o destino desse conhecimento. A ausência de políticas de empregabilidade para graduados em áreas estratégicas — inclusive sociais, ambientais e educacionais — cria um exército de profissionais qualificados e subutilizados.

A meteorologia, por exemplo, é vital para agricultura, gestão de riscos climáticos e planejamento urbano. Ainda assim, meteorologistas formados frequentemente são empurrados para fora da profissão, por falta de concursos, centros de pesquisa ou demanda empresarial. O mesmo se vê com filósofos, sociólogos e historiadores, profissionais essenciais para a formação crítica e humanística da sociedade, mas que são tratados como excedentes do sistema.

Assistentes sociais, que deveriam estar presentes em escolas, hospitais, fóruns e comunidades, muitas vezes enfrentam condições precárias de trabalho e sobrecarga estrutural, quando não o completo desemprego. E economistas, mesmo com ampla aplicabilidade técnica, acabam disputando vagas genéricas ou migrando para áreas administrativas não relacionadas à formação.

Além disso, é preciso destacar que a maioria dos graduados em áreas fora da saúde e do direito acaba exercendo funções que sequer exigem diploma universitário. São milhares de formados que atuam como vendedores, motoristas, atendentes, caixas ou cargos operacionais em empresas, sem qualquer relação com sua formação. O diploma, para muitos, virou uma peça decorativa ou um fardo que dificulta a contratação.

Um capítulo à parte é ocupado pelos cursos da área médica, como Medicina, Odontologia, Fisioterapia, Enfermagem. Esses ainda representam uma exceção à regra. Embora haja dificuldades, principalmente em regiões periféricas e no sistema público de saúde, os profissionais dessas áreas ainda encontram uma taxa de empregabilidade muito superior à média, com retorno financeiro mais palpável e valorização social mais evidente. São cursos que, apesar dos desafios, fogem da regra da invisibilidade profissional.

No campo do Direito, a realidade é mais heterogênea. Alguns poucos advogados conseguem passar em concursos públicos — e, ironicamente, muitas vezes nem atuam diretamente na área jurídica no cargo conquistado. Outros entram em escritórios familiares ou são beneficiados por influência de parentes ou conhecidos. Mas a grande maioria dos bacharéis em Direito enfrenta saturação, precarização da advocacia autônoma e ausência de oportunidades reais de inserção.

A falha não está apenas na economia — está no planejamento de país. Formar graduados e depois deixá-los à própria sorte é como plantar sem saber onde ou como colher. O Brasil precisa de um diagnóstico claro da demanda de profissionais por setor, e de políticas públicas que integrem universidades, mercado e Estado.

Do contrário, estaremos financiando sonhos que viram frustrações — e desperdiçando talentos que poderiam ser alavancas de transformação social, econômica e institucional.

Ensinar é fundamental. Mas garantir ocupação digna e estratégica é ainda mais urgente.

 

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