PENSAMENTO PLURAL Iniciativa privada: quando o “sim” vale porque existe o “não”, por Emir Candeia

Em seu comentário, o professor Emir Candeia defende o acordo livre, como alternativa para mediar os conflitos entre trabalhadores e empresários. “Quando um trabalhador aceita um emprego, ele está está trocando algo que possui (seu tempo, sua habilidade, sua experiência) por algo que deseja (salário, estabilidade, aprendizado, oportunidade). Do outro lado, o empregador também não está fazendo caridade: ele troca capital e risco por produtividade e resultado”, diz. Confira íntegra…

Existe uma diferença básica entre um acordo voluntário e uma relação imposta: no acordo voluntário, as partes podem dizer “não”. E é justamente por isso que, quando dizem “sim”, esse “sim” tem valor real.

É aqui que muita gente erra ao julgar o capitalismo e a iniciativa privada. Imaginam que o mercado é um jogo em que alguém necessariamente precisa perder para outro ganhar. Só que, no núcleo do mercado livre, não está a exploração: está o consentimento, o que prevalece é o acordo.

Quando um trabalhador aceita um emprego, ele não está “obedecendo” a uma ordem do Estado. Ele está trocando algo que possui (seu tempo, sua habilidade, sua experiência) por algo que deseja (salário, estabilidade, aprendizado, oportunidade). Do outro lado, o empregador também não está fazendo caridade: ele troca capital e risco por produtividade e resultado.

Se os dois assinam, é porque, do ponto de vista deles, aquilo vale a pena. É um contrato, e contrato é vontade. E a vontade não precisa de aval externo. Precisa apenas das partes interessadas. O Estado custuma confundir “proteger” com “controlar”.

A burocracia imposta às empresas, muitas vezes, nasce com discurso bonito: “proteger o trabalhador”, “garantir justiça”, “equilibrar forças”. Mas na prática, o que acontece com frequência é outra coisa: o Estado substitui a vontade dos indivíduos por regras padronizadas, criadas longe da realidade de cada empresa e de cada pessoa.

Isso gera três efeitos comuns: Encarece e dificulta contratar: o empregador passa a temer o custo e o risco jurídico, reduz oportunidades: menos contratação formal, menos vagas, menos portas abertas para quem está começando, cria ressentimento: porque quando o acordo deixa de ser livre e vira “imposição”, alguém se sente obrigado — e obrigação forçada não gera cooperação, gera conflito.

Pense no casamento. Quem decide com quem casar são os dois. É a vontade livre e soberana de cada um. Quando isso vira imposição — quando alguém “manda” ou “proíbe” — já não é união; é dominação. E dominação nunca produz harmonia; produz medo, fingimento e revolta.

Com o trabalho e com os contratos acontece o mesmo: se duas partes querem firmar um acordo, isso deveria ser respeitado como expressão de liberdade e responsabilidade. O que dá legitimidade ao contrato não é um carimbo; é o consentimento. Troca voluntária cria ganhos mútuos; coerção cria perdedores emocionais, ambos ganham — porque, se um lado estivesse perdendo, ele recusaria.

Já a coerção do Estado, mesmo quando “ganha” no papel, quase sempre perde no espírito. Porque alguém foi obrigado, alguém foi impedido, alguém foi tratado como incapaz de decidir por si. E quando você tira das pessoas a autonomia de escolher, você não cria justiça: você cria ressentimento. O ressentimento é o “imposto invisível” da coerção: ele aparece como informalidade, desconfiança, sabotagem, judicialização, queda de produtividade e polarização permanente.

Iniciativa privada é cooperação espontânea, não uma guerra social. A iniciativa privada não é um monstro. Ela é, no cotidiano, o que mantém a sociedade funcionando: alguém abre um pequeno negócio e gera renda para sua família;
alguém contrata porque precisa produzir; alguém aceita um trabalho porque quer progredir; alguém compra porque quer resolver um problema.

É cooperação, não guerra. O ponto central é simples: a economia saudável não é a que tem mais ordens, e sim a que tem mais acordos.

Conclusão: liberdade não é ausência de responsabilidade; é o início dela. Quando o Estado invade tudo, ele infantiliza a sociedade: transforma cidadãos em dependentes de regra e permissão. Já a liberdade contratual faz o contrário: obriga cada um a pesar escolhas, assumir riscos e arcar com consequências.

E essa é a base moral da iniciativa privada: o “sim” só é digno quando existe o “não”.

 

Os textos publicados nesta seção “Pensamento Plural” são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Blog.