PENSAMENTO PLURAL Lições da pandemia, por Palmarí de Lucena
O escritor Palmarí de Lucena mostra, em sua crônica, como os governos têm enfrentado a crise da atual pandemia, com “reações desnorteadas, posições contraditórias, muitas vezes opostas a praticamente tudo que a ciência nos havia ensinado”, e de como “líderes extremistas, atravessadores da miséria humana, jóqueis do poder absoluto, descobriram que tinham algo em comum, podiam aparelhar a pandemia para alavancar supremacia política com negacionismo”. Confira a íntegra de seu comentário…
Testemunhamos a propagação do vírus Ebola na África, aumento exponencial de vítimas de HIV/AIDS, tuberculose, malária, gripes pelo vírus influenza e momentos de extrema miséria humana resultante de conflitos armados e calamidades naturais. Prevaleceu o espírito de cooperação multilateral e solidariedade humana, esquecemos diferenças para juntos alcançamos grandes conquistas científicas, o mundo regozijava em cada descoberta de novas vacinas. Fomos surpreendidos por uma devastadora pandemia de um novo coronavírus, desafiando a lógica de uma humanidade acostumada com a ideia que fenômenos desta natureza só aconteciam na ficção científica.
Governos enfrentaram a crise com reações desnorteadas, posições contraditórias, muitas vezes opostas a praticamente tudo que a ciência nos havia ensinado. Identificado inocuamente como Covid-19, uma doença camaleônica e traiçoeira, microcosmo de um fenômeno aproximando-se a um apocalipse sanitário, rasgando o tecido frágil do entendimento entre povos, países e instituições. Tivemos a recidiva de um outro tipo de vírus, aquele que pensávamos haver destruído ao longo do Século Vinte, extremismo ideológico e nacionalismo tóxico asfixiando conhecimento científico, subestimando os perigos do coronavírus.
Líderes extremistas, atravessadores da miséria humana, jóqueis do poder absoluto, descobriram que tinham algo em comum, podiam aparelhar a pandemia para alavancar supremacia política com negacionismo, desinformação e mentiras sobre a letalidade, abrangência e eficácia de medidas preventivas para achatar a curva do contágio. Forjaram um universo paralelo com a realidade imaginada de falsos líderes, pregadores do medo espalhando preconceitos nutridos por uma ideologia política revanchista, profundamente adversa a valores democráticos.
Isolamento forçou pessoas a tomar em conta muitas coisas, que consideravam triviais, pequenos incômodos ou meras distrações. Vivemos uma situação de insegurança, desespero e medo, causada devido a falta do conforto, o qual acreditávamos ser um direito nato e que a pandemia nos fez entender, que era uma conquista. Pranchetas de projetos abertas, muitos traçaram uma rota para chegar a sua estrada de Damasco, em busca do revestimento prateado nas nuvens escuras augurando um futuro incerto.
É necessário compreender os perigos e os sacrifícios da jornada, o conforto do passado não existe mais, nem pode ser resgatado. Devemos não consumir por consumir, cuidar da saúde, fortalecer famílias, atuar no coletivo com colegas de trabalho ou vizinhos, deixar as lições da pandemia nos ajudar a rever valores, contribuir para um mundo livre de preconceitos e evitar extremismos, que podem agravar as incertezas da pandemia.