
A recente visita presidencial ao Japão expôs, mais uma vez, o contraste entre a diplomacia convencional e o estilo pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto autoridades japonesas mantinham a compostura característica de seus rituais de Estado, o presidente brasileiro trouxe consigo uma informalidade que, embora bem-intencionada, não passou despercebida nos círculos diplomáticos. O episódio do abraço ao imperador Naruhito, repetido contra as recomendações protocolares, resume essa tensão entre o gesto político afetivo e as normas que regem as relações entre nações.
A reação da mídia japonesa foi sintomática. Se por um lado veiculou o fato com o distanciamento jornalístico habitual, por outro não deixou de registrar a quebra de etiqueta. Não se tratava apenas de um deslize protocolar, mas de um choque entre duas concepções de exercício do poder: de um lado, a tradição imperial japonesa, calcada em séculos de formalidade; de outro, a política brasileira, onde o contato pessoal e a demonstração pública de afeto são estratégias consolidadas de aproximação.
Nos bastidores, porém, a agenda seguiu seu curso pragmático. Os acordos comerciais anunciados – desde a potencial exportação de carne brasileira até a negociação de aeronaves da Embraer – demonstraram que, por trás do gestual, persiste o cálculo político e econômico que caracteriza as relações internacionais. O discurso em defesa do multilateralismo e da reforma das instituições globais ecoou em um Japão que, embora aliado tradicional do Ocidente, também busca espaços de articulação no chamado Sul Global.
A antecipação da primeira-dama Janja ao país asiático, justificada como medida de economia logística, levantou questões sobre os limites entre interesse público e privado na gestão presidencial. O episódio, ainda que menor diante dos resultados concretos da visita, não deixou de alimentar debates sobre o uso de estruturas de Estado para fins pessoais – discussão que transcende governos e orientações partidárias.
O balanço final dessa empreitada diplomática talvez resida justamente nessa dualidade. Se por um lado os gestos de Lula reforçam uma imagem de autenticidade que lhe é característica, por outro revelam os riscos de se subestimar códigos culturais profundamente arraigados. O Japão, conhecido por sua precisão nas relações internacionais, certamente não ignorou o incidente protocolar, mas também não permitiu que ele ofuscasse os avanços materiais em discussão.
No fim, o que fica é a constatação de que a diplomacia, mesmo em sua forma mais contemporânea, ainda navega entre a necessidade de resultados concretos e o peso simbólico de seus rituais. Lula, com seu estilo peculiar, parece apostar que é possível conquistar espaço em ambos os terrenos – ainda que, às vezes, isso signifique abraçar literalmente as contradições do ofício político.
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