O escritor Palmarí de Lucena traz, em seu comentário, repercussão de entrevista concedida pelo presidente Lula, ao New York Times, em que denuncia como inaceitável a ameaça de Trump de impor tarifas de 50% ao Brasil, reitera que a Justiça brasileira é independente e alerta para os riscos de retaliação econômica motivada por política pessoal. “O jornal apontou que a medida rompe padrões diplomáticos e compromete uma relação bilateral de mais de dois séculos”, pontua. Confira íntegra do comentário...
A recente ameaça do presidente Donald Trump de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros — uma das mais severas anunciadas desde seu retorno ao poder — trouxe de volta à pauta internacional um debate sensível: os limites entre política externa e interesses eleitorais pessoais.
Em entrevista ao The New York Times, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu com firmeza à medida, denunciando-a como uma afronta à soberania nacional e à independência dos poderes no Brasil. Foi sua primeira conversa com o jornal americano em mais de uma década, e não por acaso: Lula buscava falar diretamente ao público dos Estados Unidos e reforçar que o Brasil não aceitará pressões veladas ou sanções motivadas por afinidades ideológicas.
“Estamos tratando isso com a máxima seriedade. Mas seriedade não exige subserviência”, afirmou, em tom diplomático, porém incisivo. Disse ainda que, embora reconheça o poderio econômico, militar e tecnológico dos Estados Unidos, o Brasil não se deixará tratar como um país menor. “O que não se faz é impor tarifa e lançar ultimato por rede social”, criticou.
O estopim da crise é a situação judicial de Jair Bolsonaro, acusado de planejar uma tentativa de golpe após perder as eleições de 2022. Trump tem insistido em chamar o caso de “caça às bruxas” e pressiona para que o processo seja arquivado, comparando-o à sua própria situação judicial. Chegou a enviar carta a Lula, classificando o julgamento como “desastre internacional”.
Na entrevista, Lula foi taxativo: a Justiça brasileira é independente e não está subordinada a interesses de governo, muito menos estrangeiros. Rejeitou a ideia de qualquer intervenção e apontou os riscos de transformar um contencioso político em conflito comercial. Segundo ele, quem vai pagar a conta não serão os governos, mas os consumidores norte-americanos, que terão de arcar com preços mais altos de produtos essenciais importados do Brasil, como café, suco de laranja e carne bovina.
Com dados em mãos, Lula contestou também a alegação de que o Brasil mantém um déficit comercial com os Estados Unidos. Na realidade, os americanos fecharam o último ano com superávit superior a 7 bilhões de dólares no comércio bilateral.
O presidente brasileiro revelou que, caso Trump concretize a ameaça tarifária, o governo estuda medidas de retaliação sobre exportações americanas. Ressaltou, contudo, que ainda espera uma abertura para o diálogo. Atribuiu o silêncio à falta de interesse do governo Trump em estabelecer uma interlocução construtiva. “O que impede o diálogo é que ninguém quer conversar. Todo mundo sabe que eu pedi contato”, declarou.
A reportagem do New York Times chamou atenção para o fato de que Lula é, hoje, um dos poucos líderes mundiais a se contrapor publicamente à ofensiva retórica de Trump. Seu posicionamento tem sido reiterado em discursos pelo país, reforçado nas redes sociais e até simbolizado pelo uso de um boné com os dizeres “O Brasil pertence aos brasileiros”.
Enquanto isso, do outro lado do tabuleiro, Trump amplia a retórica contra o Judiciário brasileiro. Recentemente, o Departamento de Estado revogou os vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal e de seus familiares, sob o argumento de que estariam promovendo “censura” e “perseguição política” contra Bolsonaro. O filho do ex-presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, tem atuado em Washington em busca de sanções baseadas no Ato Global Magnitsky — mecanismo usado para punir violações graves de direitos humanos e corrupção. Se aplicadas, as sanções representariam um grave desrespeito institucional entre democracias.
Lula reagiu com indignação: “Se o que você está me dizendo for verdade, é mais grave do que eu imaginava. O Supremo de um país tem que ser respeitado, não apenas por seus cidadãos, mas também pelo mundo.”
O cenário é delicado. O gesto de Trump de usar tarifas como arma política pode romper uma tradição de dois séculos de relações amistosas entre as duas nações. Transformar um relacionamento historicamente pautado por ganhos mútuos em um cabo de guerra ideológico não interessa nem ao povo brasileiro, nem ao americano.
O papel da imprensa responsável, como demonstrado na apuração equilibrada e abrangente do New York Times, é justamente o de iluminar com clareza os fatos, separar retórica de realidade e oferecer à opinião pública os elementos necessários para um julgamento ético e informado.
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