PENSAMENTO PLURAL Maduro e a diplomacia do subsolo, por Palmarí de Lucena

Em meio à crise econômica e ao isolamento diplomático, Nicolás Maduro teria oferecido aos Estados Unidos acesso privilegiado ao petróleo e a outros recursos naturais da Venezuela, segundo reportagem do New York Times, Reuters, BBC e Bloomberg. O episódio, narrado pelo escritor Palmarí de Lucena, expõe o contraste entre discurso e pragmatismo, e simboliza uma nova era de “diplomacia do subsolo”, em que soberania e sobrevivência se confundem. Confira íntegra...

Entre o discurso da resistência e o pragmatismo econômico, a Venezuela expõe o dilema de um mundo que negocia princípios à sombra do petróleo

A recente disposição do governo venezuelano em abrir parte de suas riquezas naturais para negociações com os Estados Unidos expõe um momento singular da política internacional: a interseção entre pragmatismo e sobrevivência. O gesto de Nicolás Maduro, ao propor participação americana em projetos de petróleo, ouro e gás, não representa apenas uma tentativa de aliviar sanções econômicas, mas também o reconhecimento de que nenhum país — por mais ideologicamente resistente — está imune às pressões da realidade.

Segundo reportagem do The New York Times publicada em 11 de outubro de 2025, assinada por Anatoly Kurmanaev, Julian E. Barnes e Julie Turkewitz, altos funcionários venezuelanos ofereceram à administração Trump acesso privilegiado a projetos de exploração de petróleo e outros recursos naturais, numa tentativa de normalizar relações e reduzir as sanções impostas a Caracas. As conversas, mantidas em sigilo durante meses, teriam incluído a promessa de contratos preferenciais a empresas americanas e a revisão de acordos com parceiros da China, Rússia e Irã.

Fontes consultadas pela Reuters e pela Bloomberg confirmam que empresas como a Chevron e a Shell receberam autorizações específicas para retomar operações limitadas na Venezuela — um gesto interpretado como tentativa de aproximação pragmática, ainda que sem reconhecimento político formal. A BBC News Mundo, em análise publicada na mesma semana, observou que o movimento de Maduro deve ser entendido menos como inflexão ideológica e mais como estratégia de sobrevivência política diante de uma economia combalida.

O episódio revela a distância entre retórica e prática. Enquanto o discurso oficial em Caracas insiste na defesa da soberania e da “revolução bolivariana”, a economia venezuelana segue em declínio, marcada por hiperinflação, desemprego e êxodo populacional. Nesse cenário, a cooperação com antigos adversários deixa de ser contradição e passa a ser necessidade.

Nos Estados Unidos, as reações oscilaram entre o pragmatismo e o ceticismo. Parte da administração Trump considerou a proposta uma oportunidade de reequilibrar o mapa energético no continente e reduzir a influência chinesa e russa. Outros avaliaram que negociar com um governo sem garantias institucionais poderia comprometer a imagem de Washington como defensora da democracia. O impasse prevaleceu: as conversas foram encerradas sem acordo, mas deixaram aberta a possibilidade de reaproximação futura.

Mais do que um episódio isolado, o caso insere-se num contexto global de reacomodação energética. Com a guerra na Ucrânia, as sanções contra a Rússia e a lenta transição para fontes limpas, países com grandes reservas de petróleo e minerais estratégicos voltam a ocupar papel central na geopolítica mundial. A Venezuela, mesmo enfraquecida, conserva relevância pela magnitude de seu subsolo — e por sua localização no hemisfério ocidental.

A chamada “diplomacia do subsolo” expressa esse novo tempo. Ela não nasce da ideologia, mas da necessidade. Maduro busca aliviar pressões e manter controle interno; Washington procura proteger seus interesses estratégicos e energéticos. Ambos agem dentro de uma lógica de realismo político que se sobrepõe a antagonismos históricos.

O episódio tampouco autoriza leituras morais simplistas. Não há rendição de princípios nem gesto de heroísmo. Há, antes, o retrato de uma política externa moldada por constrangimentos econômicos e pela interdependência global. A soberania, outrora definida pela resistência, passa a ser mediada pela negociação; e a ética da diplomacia moderna reside menos na fidelidade a ideais do que na consciência dos limites que o mundo impõe.

A história recente da Venezuela, portanto, não deve ser lida como farsa ou tragédia, mas como espelho de um tempo em que as nações — grandes ou pequenas — precisam escolher entre o discurso e a sobrevivência. Entre a retórica da resistência e a lógica da adaptação, o subsolo volta a ser o grande mediador das relações internacionais. E é nesse terreno, onde petróleo e poder se confundem, que se revela o verdadeiro dilema do século XXI: até que ponto a necessidade pode substituir a convicção sem que o preço pague seja a própria soberania.

 

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