PENSAMENTO PLURAL Mediocridade: O berço das fake news, do populismo e do consumo estéril, por Palmarí de Lucena

Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena afirma que a mediocridade tornou-se cultura: terreno fértil para fake news, consumismo vazio e populismo raso. Alimenta-se da preguiça mental, da recusa ao pensamento crítico e da busca por conforto nas mentiras convenientes. “Nesse mundo achatado, líderes populistas oferecem inimigos, não ideias. Resistir é recusar ser rebanho e escolher, diariamente, o caminho da lucidez, do idealismo e da ética”, acrescenta Palmarí. Confira íntegra…

Há uma penumbra persistente na condição humana, uma zona morna e confortável onde se refugiam os que abdicaram de pensar, de sonhar, de construir um ideal próprio. O filosofo argentino José Ingenieros chamou-a de mediocridade, não como ofensa, mas como diagnóstico filosófico. E nunca esse conceito foi tão urgente quanto agora, quando a mediocridade deixou de ser condição individual e se tornou sistema, cultura e método.

A sociedade da mediocridade ergueu seus altares. Neles, sacrifica-se diariamente a verdade, em nome do conforto das mentiras convenientes. O fake news não é um acidente tecnológico. É sintoma. É alimento para mentes preguiçosas, que preferem a ilusão fácil da desinformação à fadiga da reflexão. Nessa cultura, não se busca compreender — apenas confirmar os próprios preconceitos. O saber se converte em mercadoria rasa, descartável, moldada para caber nos 280 caracteres do pensamento superficial.

O consumismo é outra face desse vazio existencial. Compra-se para existir, acumula-se para preencher o que não se sabe nomear. A lógica do mercado molda também a lógica das consciências: rápido, fácil, raso e esquecível. O ser dá lugar ao ter, e o ter jamais é suficiente. A mediocridade moderna não deseja transformação; deseja distração.

O populismo, por sua vez, é o governo da mediocridade sobre si mesma. Alimenta-se da ignorância programada, da aversão ao saber, da recusa à complexidade. O líder populista não oferece ideias — oferece inimigos. Não propõe projetos — distribui fantasias. Seu discurso é simples não por ser claro, mas por ser pobre, feito sob medida para quem não suporta o esforço do pensamento crítico. E quanto mais raso, mais sedutor.

Ingenieros já advertia que o medíocre é aquele que vive de ecos. Molda-se pelos ventos do meio, absorve os preconceitos do tempo, repele qualquer sopro de originalidade. Hoje, esses ventos são algoritmos, bolhas digitais, influencers vazios e discursos inflamados que transformam a estupidez em espetáculo. A mediocridade viraliza.

Por isso, não surpreende que, nas redes e nas ruas, se alardeie a honestidade como se fosse virtude passiva. São corretos por falta de oportunidade, e éticos por ausência de coragem até para o erro. A incapacidade para o mal não é virtude — é fraqueza disfarçada.

E assim seguimos, assistindo às nulidades triunfarem, às farsas serem vendidas como verdades, à ignorância celebrada como autenticidade. Brecht já havia alertado: primeiro vêm pelos outros, enquanto calamos. Depois, não haverá mais ninguém. Rui Barbosa, por sua vez, sentenciou: de tanto ver a desonra prosperar, o homem desanima da virtude e passa a ter vergonha de ser honesto.

Neste mundo achatado, onde tudo se consome — inclusive a própria dignidade —, resta a resistência dos que  ecusam ser cúmplices. Dos que não aceitam ser barcos à deriva no mar das insignificâncias. Dos que compreendem que o preço da lucidez é o desconforto, mas que só nela reside a verdadeira liberdade.

Porque, sim: o antídoto contra a mediocridade não é a arrogância, nem a superioridade autoatribuída — é o idealismo. É a coragem de pensar, de duvidar, de questionar o consumo das mentiras, dos slogans fáceis e dos vazios existenciais embalados para pronta entrega. É a escolha diária de não ser parte do rebanho — ainda que custe caro.

 

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