PENSAMENTO PLURAL Mentiras elegantes e mapas partidários, por Palmarí de Lucena

O escritor Palmarí de Lucena contesta narrativa de que, nos Nos Estados Unidos, estados democratas estariam em pior situação que os republicanos: “É uma falácia”. Prosperidade e carências atravessam fronteiras partidárias, e manipular dados para sustentar discursos ideológicos apenas empobrece o debate. E ainda: “Depois de quatro décadas de experiência em políticas públicas em Nova York, incluindo a problemática das drogas, constato que sociedades justas não se constroem com distorções, mas com diagnósticos sérios e coerência”, diz. Confira íntegra…

O desenvolvimento humano nos Estados Unidos revela contrastes que não se explicam apenas pela geografia ou pela política. Enquanto alguns estados do sul convivem com menor renda, baixa escolaridade e expectativa de vida reduzida, regiões costeiras e do nordeste concentram polos de inovação, maiores níveis de educação e prosperidade. Essa divisão, entretanto, não é absoluta: mesmo os estados mais ricos, como Califórnia e Nova York, enfrentam desigualdades sociais profundas e índices elevados de criminalidade urbana, enquanto os mais pobres exibem outros tipos de vulnerabilidade, muitas vezes associadas à violência armada e às carências rurais.

A comparação com o Brasil amplia esse contraste. A Califórnia sozinha tem quase o dobro do PIB brasileiro, e Nova York já supera a produção econômica de todo o país, mesmo com território e população incomparavelmente menores. O Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes, continua a produzir menos do que estados norte-americanos que somam juntos pouco mais de 60 milhões de pessoas. A diferença não é apenas quantitativa: ela reflete escolhas históricas sobre onde investir, em educação, inovação, infraestrutura e políticas públicas. Enquanto parte significativa da economia brasileira ainda depende da exportação de commodities, os estados mais prósperos dos Estados Unidos diversificaram suas bases produtivas e avançaram em setores de alto valor agregado.

Nesse contexto, a ideia de que estados governados por democratas estariam em situação pior do que aqueles administrados por republicanos é uma falácia que não resiste à análise dos dados. Prosperidade e carências se distribuem de forma desigual em todo o território, sem obedecer a fronteiras partidárias. Reduzir a realidade a um mapa de cores é empobrecer o debate, trocando a complexidade por caricaturas convenientes.

A falta de coerência em argumentos usados pelo trumpismo nos Estados Unidos encontra eco em pronunciamentos e matérias de blogueiros e influenciadores no Brasil, que buscam disseminar informações imprecisas e com viés ideológico. Essa estratégia não é nova, mas sua eficácia na era digital é preocupante. O recurso a estatísticas parciais e à simplificação de realidades complexas serve apenas para consolidar narrativas, não para enfrentar problemas.

Depois de quatro décadas de trabalho nos Estados Unidos, inclusive como Secretário Assistente de uma entidade municipal de Nova York voltada para a problemática do uso, abuso e consequências do consumo de substâncias químicas, aprendi que políticas públicas sérias exigem diagnóstico correto e informação precisa. Nada se constrói sobre distorções.

A busca por sociedades mais prósperas e justas não se fará com slogans, nem com mapas pintados em vermelho e azul, tampouco com manipulação de dados para justificar posições ideológicas. Exige maturidade, visão de longo prazo e coragem para enfrentar a realidade em toda a sua complexidade. Afinal, as estatísticas não mentem; os homens é que fazem delas mentiras elegantes.

 

Os textos publicados nesta seção “Pensamento Plural” são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Blog.