PENSAMENTO PLURAL Nepotismo eleitoral: a vergonha que corrói os Tribunais de Contas, por Palmarí de Lucena

O escritor aponta que o “impacto do nepotismo é devastador”. Em vez de assegurar a integridade da gestão pública, muitos tribunais de contas transformaram-se em instrumentos de blindagem de interesses privados, acobertando irregularidades e enfraquecendo os mecanismos de controle. O loteamento de cargos públicos por laços de sangue não apenas compromete a fiscalização: configura um verdadeiro assalto à democracia. Confira íntegra…

O nepotismo, essa praga que afronta a moralidade e a impessoalidade constitucional, ainda alastra suas raízes, de forma vergonhosa, nas instituições encarregadas de proteger o dinheiro público: os Tribunais de Contas. Em vez de serem baluartes da fiscalização, muitos se tornaram feudos familiares.

Em 2008, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante nº 13, proibindo a nomeação de parentes para cargos de confiança. Mas, ao abrir uma exceção para cargos de natureza política, criou-se uma brecha covarde que políticos se apressaram em explorar. Assim, o que deveria ser exceção virou regra: perpetuar dinastias e aparelhar o Estado em benefício próprio.

A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo (ANTC) levou ao STF a ADPF 1070, expondo o escândalo: parentes de chefes do Executivo alçados aos Tribunais de Contas, numa afronta gritante à ética pública. O ministro Luiz Fux, relator do caso, tem em mãos a oportunidade histórica de estancar essa sangria.

Os números falam por si: levantamento do jornal O Globo aponta que cerca de 30% dos conselheiros desses tribunais são parentes de políticos — muitos indicados sem pudor por seus próprios familiares. Pior: 32% deles respondem a processos ou já foram condenados por crimes como corrupção, peculato e improbidade administrativa.

A ilegalidade é explícita. Como sublinhou o ministro Sérgio Kukina, o nepotismo configura improbidade administrativa ainda que não gere dano financeiro direto: basta o desprezo pela moralidade pública. A jurisprudência do STJ (REsp 1.286.631 e REsp 1.009.926/SC) reforça que a simples consciência da ilicitude já basta para tipificar o ato.

O Supremo já deixou claro: conselheiros de Tribunais de Contas não são agentes políticos e, portanto, estão submetidos à vedação ao nepotismo. Mas os escândalos continuam, zombando da sociedade. Waldez Góes nomeou a própria esposa no Amapá; Renan Filho repetiu o gesto em Alagoas; Rui Costa tentou emplacar a mulher no Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia; e na Paraíba, a filha do presidente da Assembleia Legislativa foi aprovada por unanimidade para o TCE, apesar da flagrante falta de experiência, com a bênção silenciosa do governador João Azevedo.

Esses episódios são mais do que desvios: são sintomas de um nepotismo eleitoral estruturado. Políticos manobram nomeações para controlar Tribunais de Contas como se fossem extensões de seus gabinetes, minando a fiscalização, promovendo a impunidade e estendendo suas redes de proteção.

Como alertou Juliana Sakai, da Transparência Brasil, tribunais assim capturados tornam-se ineficientes, inoperantes — pálidas caricaturas do que deveriam ser. E a cada nomeação indecente, a democracia sangra um pouco mais.

Desde a edição da Súmula 13, proliferam tentativas ridículas de contornar a proibição, com pretextos frágeis e mal disfarçados. Em 2014, o STF reafirmou o óbvio: o veto ao nepotismo decorre diretamente da Constituição. Não há brechas para quem tem decência.

Parentesco consanguíneo, por afinidade ou civil, não é atestado de competência. Não justifica o loteamento de cargos nem o assalto disfarçado ao interesse público. A prática do nepotismo cruzado — “eu nomeio o seu, você nomeia o meu” — é apenas mais uma artimanha torpe.

A sociedade precisa reagir. Tribunais capturados por interesses familiares não fiscalizam: encobrem. Não protegem o erário: saqueiam a credibilidade pública. O combate ao nepotismo eleitoral e ao conflito de interesses não é mero capricho ético — é a defesa vital da democracia, da justiça e da esperança.

Ou reagimos, ou entregamos de vez o futuro à lógica perversa da hereditariedade e da corrupção institucionalizada.

 

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