Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena afirma o Brasil, gigante no café, na laranja e na carne, segue vulnerável à política errática dos EUA. Tarifas, barreiras sanitárias e ambientais corroem a competitividade, enquanto “rivais capturam o valor agregado que desprezamos”. E ainda: “O Congresso, ocupado em autoproteção e confrontos, bloqueia a modernização do agronegócio, e o afrouxamento ambiental fragiliza as certificações. Sem industrialização, inovação e diplomacia estratégica, continuaremos exportando commodities baratas, reféns de humores externos e perdendo soberania econômica.” Confira íntegra...
O Brasil, maior produtor de café e suco de laranja do planeta, vive o paradoxo de ser potência agrícola e, ao mesmo tempo, refém da política errática dos Estados Unidos. Esses produtos, que sustentam economias regionais inteiras e moldaram nossa identidade cultural, sofrem com barreiras alfandegárias e regulatórias criadas por Washington para proteger seus próprios mercados.
O café, orgulho nacional desde o século XIX, amarga tarifas que reduzem sua competitividade e ameaçam a sobrevivência de pequenos e médios produtores. Um exemplo recente foi a imposição de sobretaxas que inviabilizaram contratos de exportação já assinados, obrigando cooperativas a renegociar embarques em condições desvantajosas. Mais grave ainda é o fato de o Brasil continuar exportando, em grande medida, sacas de grãos verdes, enquanto países como a Colômbia e até a própria Alemanha ampliam espaço no mercado internacional com cafés torrados, solúveis e cápsulas de alto valor agregado. Persistimos, assim, na posição de fornecedores de matéria-prima barata, ao passo que outros capturam a renda do valor final.
Na laranja, a contradição é ainda mais ácida. A Flórida, devastada pelo greening e por furacões, perdeu 92% de sua produção. Mesmo assim, Washington insiste em sobretaxar o suco brasileiro, fechando o mercado justamente quando precisa dele. Para contornar a crise, o governo americano chegou a flexibilizar padrões de qualidade, permitindo a comercialização de sucos menos doces e mais amargos, confundindo consumidores e corroendo a credibilidade do produto. Enquanto isso, fábricas de citros em São Paulo e no Paraná reduzem turnos e demitem trabalhadores, vítimas de uma barreira política que nada tem a ver com eficiência produtiva.
O dilema não se restringe ao café e ao suco de laranja. A proteína animal brasileira — seja a carne bovina, suína ou de frango — enfrenta as mesmas engrenagens de vulnerabilidade: tarifas disfarçadas de barreiras sanitárias, exigências ambientais cada vez mais rígidas e o peso de rivais poderosos como os próprios Estados Unidos. A diferença está na dispersão dos mercados: a China e o Oriente Médio funcionam como contrapeso à dependência americana, mas nem isso elimina o risco de sermos reféns de humores externos. Embargos por suspeita sanitária ou acusações de desmatamento bastam para paralisar exportações inteiras e expor, mais uma vez, a fragilidade de uma economia que se apoia em commodities e aceita a instabilidade como destino.
Esse cenário revela a fragilidade estrutural da pauta exportadora brasileira. Não basta lamentar nem confiar apenas em recursos jurídicos junto à OMC. O país precisa investir na industrialização de seus produtos, ampliar a exportação de café torrado, solúvel e cápsulas, estimular sucos prontos de alta qualidade, desenvolver cortes premium de carne rastreada, criar sistemas robustos de certificação ambiental e sanitária e abrir mercados na Ásia, na África e dentro do próprio Mercosul. É igualmente fundamental fortalecer marcas brasileiras que representem qualidade e identidade própria, transformando o “café do Brasil”, o “suco brasileiro” e a “carne do Brasil” em selos de prestígio mundial.
O amargo que sentimos hoje não é inevitável. Ele decorre da inércia de uma economia que se conforma em vender commodities baratas enquanto aceita a instabilidade vinda de fora. O Brasil não precisa romper com os Estados Unidos, mas deve aprender a não se ajoelhar diante de seus humores. É hora de transformar liderança agrícola em soberania econômica, de apostar em valor agregado, inovação e diplomacia estratégica. Sem esse salto, continuaremos a servir ao mundo um café com gosto de submissão, um suco de laranja adoçado com vulnerabilidade e uma carne marcada pela cicatriz da dependência.
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