PENSAMENTO PLURAL O engano das grades, por Palmarí de Lucena

O texto do escritor Palmarí reflete sobre o desequilíbrio da Justiça brasileira, que pune com rigor os vulneráveis e protege os poderosos por meio de privilégios e manobras jurídicas. Defende que endurecer penas não reduz o crime: o que importa é a certeza da punição aplicada com proporcionalidade e humanidade. “A verdadeira Justiça não é vingança nem privilégio — é equilíbrio, serenidade e igualdade diante da lei”, diz. Confira íntegra…

Vivemos um tempo em que o medo se tornou argumento. Ele atravessa o noticiário, as conversas e o debate público, convertendo-se em medida de política e em justificativa moral. Diante da violência, cresce a tentação de buscar soluções rápidas: penas mais severas, prisões mais longas, respostas que tranquilizem o instante — ainda que não resolvam o problema. Mas justiça não se constrói na pressa, nem na raiva.

O Brasil é um dos países que mais prendem no mundo. Mesmo assim, a sensação de impunidade persiste. Esse paradoxo se explica porque o rigor da lei não é igualmente aplicado. Nos presídios, acumulam-se pessoas pobres, jovens e sem julgamento definitivo. Já nos tribunais, multiplicam-se recursos e manobras protelatórias que beneficiam réus com influência e recursos financeiros. 

Enquanto muitos enfrentam a lentidão da Justiça sem advogados ou esperança, outros se amparam em interpretações favoráveis e em prazos que, não raro, transformam culpa em prescrição.

Essa desigualdade diante da lei é a forma mais discreta — e talvez a mais cruel — de injustiça. O problema não está nas garantias legais, mas na forma desigual como são acessadas. O devido processo é indispensável, mas não pode se tornar um privilégio restrito a poucos. A Justiça perde autoridade quando se mostra severa com o vulnerável e paciente com o poderoso.

É um equívoco imaginar que o país se tornará mais seguro apenas com o aumento das penas. A experiência mostra que o que realmente reduz o crime é a certeza da punição, aplicada com equilíbrio e proporcionalidade. Penas desumanas ou arbitrárias apenas alimentam a violência que pretendem conter. A função da prisão é proteger a sociedade e permitir que a Justiça cumpra seu papel — sem espetáculo, sem vingança.

A violência tampouco nasce de um único fator. Resulta da combinação de impunidade, desigualdade, ausência do Estado e fragilidade de políticas públicas. É um fenômeno complexo que exige respostas que vão além do encarceramento: educação, prevenção, investigação eficiente e respeito à lei.

A justiça, para ser justa, precisa ser igual para todos. Nem complacente nem cruel. Nem instrumento de vingança nem escudo de privilégios. A democracia não se mede apenas pelo direito de votar, mas pela confiança de que o mesmo direito protege o rico e o pobre, o influente e o anônimo.

Punir é necessário, mas punir com serenidade. O Estado que cede à raiva perde o senso de medida; o Estado que se curva ao poder perde a alma. Entre ambos, deve haver um caminho de equilíbrio — onde a lei é firme, mas não cega; e a justiça, humana, mas não frágil.

 

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