PENSAMENTO PLURAL O mau uso da delação premiada, por Rui Leitão
Em sua mais recente crônica, o escritor e historiador Rui Leitão reflete sobre o instituto da delação premiada e, apesar de reconhecer sua “importância nos processos de de investigação penal”, critica “seu uso de forma irresponsável como temos tido conhecimento em muitos casos, atendendo interesses escusos e transformando-a em show midiático”. Rui usa como exemplo o recente episódio envolvendo a delação de Palocci que, no primeiro momento, incriminava o ex-presidente Lula e, recentemente, a Polícia Federal desmontou seu testemunho, por não encontrar provas contra o petista. Confira a íntegra de seu comentário…
Embora não veja com bons olhos o instituto jurídico da delação premiada, não posso desconhecer a sua importância nos processos de investigação penal., possibilitando o desmantelamento de quadrilhas criminosas. O meu questionamento se dá quanto ao seu uso de forma irresponsável como temos tido conhecimento em muitos casos, atendendo interesses escusos e transformando-a em show midiático. Ela não deve ser compreendida como o único e mais eficaz meio de avançar nos procedimentos investigatórios, partindo do pressuposto de que “os fins justificam os meios”.
Há notícias de muitas delações premiadas que foram forjadas com o objetivo de beneficiar o delator que denuncia pessoas identificadas como inimigas políticas do sistema. O delator é instigado a promover uma seleção fática com o propósito de ganhar o seu “prêmio”, ao exercitar a “deduragem” que fortalecerá o aparato acusatório. Os acordos firmados têm se revelado, em muitos casos, um negócio bem vanatajoso para o delator. Principalmente para aqueles que não demonstram qualquer constrangimento em se submeter ao jogo espúrio, sem observância dos ditames legais por parte de agentes do Estado.
Interessante que o delator é considerado um bandido até o momento em que se dispõe a delatar. A partir de então ele passa a ser visto como alguém em quem se pode confiar, mesmo quando as evidências mostrem que suas afirmações são desprovidas de veracidade. O que vale é a conquista dos “favores” negociados nos termos do acordo firmado. Na busca da liberdade, vende sua alma inescrupulosamente. Há advogados especialistas na formulação desses acordos.
Tenho dificuldade em adequar a delação a valores éticos. Porém, muitos procuram justifica-la pelo princípio do finalismo aristotélico, o que dispensaria a obediência a conceitos morais. Ninguém pode argumentar que essas denúncias sejam motivadas por sentimentos nobres ou impulsionadas por remorsos de crimes porventura cometidos. Para salvar a própria pele o delator se dispõe a praticar, se preciso for, a mentira e a indignidade.
A espetacularização midiática se encarrega de produzir o linchamento público de quem for apontado como comparsa ou chefe do delatado. Ao Estado não compete barganhar com a criminalidade, fazendo uso de falsas denúncias, produzidas pelo desespero ou por pressões de agentes nelas interessados. Quando isso acontece, coloca o “jus puniendi” acima dos direitos individuais. Urge fazer uma reflexão crítica quanto à sua aplicação, de forma a que não se incida em erros jurídicos irreparáveis
O caso mais recente de delação articulada criminosamente é a do ex-ministro Palocci. As informações por ele prestadas e que justificaram sua saída da cadeia, com direito a abocanhar alguns milhões de reais, foram todas desmentidas pelo relatório conclusivo da Polícia Federal. E agora? Como remediar as consequências dessa delação, que causou danos inestimáveis ao banco BTG e ao ex-presidente Lula? Bom lembrar que a delação foi vazada pelo então juiz Sérgio Moro às vésperas da eleição presidencial, causando grande repercussão na campanha.
Que o caso Palocci sirva de exemplo na confirmação de que esse instrumento vem sendo utilizado, muitas vezes, de forma irresponsável, em negociatas de interesses políticos. Está na hora de examinar a prática desse instituto jurídico, oferecendo-lhe os cuidados que se fazem necessários para que as regras a respeito sejam seguidas à risca. Nunca desprezando a análise causal entre as informações prestadas pelo delator e as descobertas da investigação, na procura incessante das provas das denúncias apresentadas.
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