Em sua mais recente crônica, o escritor Palmarí de Lucena pontua como “à sombra de bustos dourados e memórias com Trump, Bolsonaro revive sua glória passada enquanto enfrenta o espectro da prisão, ora proibido de disputar eleições, aposta em milagres e bravatas para manter-se relevante”. E ainda: “Em entrevista ao Washington Post, alterna risos e lágrimas, vanglória e medo, encenando sua mais difícil batalha: sobreviver à justiça sem renunciar ao próprio mito”. Confira íntegra…
Na sede do Partido Liberal em Brasília, Jair Bolsonaro vive cercado por sua própria imagem: quadros, bustos dourados e canecas estampadas tentam perpetuar um tempo que já passou — o tempo em que ele era presidente, aclamado por multidões e bajulado por Donald Trump. Mas o retrato que Bolsonaro realmente quer projetar hoje é o de um homem injustiçado, traído pelo sistema, prestes a ressurgir.
Desabilitado para disputar eleições até 2030, proibido de deixar o país e réu em processos que podem lhe custar quatro décadas de liberdade, Bolsonaro se apega a uma devoção quase mística à figura de Trump — seu guia ideológico, seu espelho populista, sua esperança de redenção. Em entrevista concedida recentemente ao The Washington Post (publicada em 2 de maio de 2025, por Terrence McCoy e Marina Dias), Bolsonaro folheia com carinho um livro assinado por Trump, se emociona com antigas fotos ao lado do ex-presidente americano e lamenta não ter podido ir à sua posse: “Meu passaporte foi apreendido.”
A cena revela mais do que nostalgia. Mostra um homem acuado, dividido entre bravatas e lágrimas, que flerta com a vitimização para sobreviver politicamente. Ora se diz “mais forte do que nunca”, ora admite com melancolia: “Eu não sou nada.” Nas entrelinhas, emerge um Bolsonaro que teme a prisão e o esquecimento, mas que ainda aposta em milagres — assim como em 2018, quando sobreviveu a uma facada e chegou ao Planalto pelo voto popular.
É essa crença no extraordinário que explica por que, diante de um processo por tentativa de golpe de Estado e supostos planos de assassinato de rivais políticos — incluindo Lula e o ministro Alexandre de Moraes —, Bolsonaro recorre à caricatura: “É tão infantil que dá vergonha de comentar.” Mas não convence. A minuta de decreto para anular o resultado das eleições foi real. As mensagens investigadas pela polícia também. O alvo do golpe, agora juiz do caso, é o mesmo Moraes que Bolsonaro tenta ridicularizar.
Mesmo sem fé nos tribunais, Bolsonaro investe na retórica de sempre: denunciar perseguições, clamar por anistia e lotar as ruas com seguidores. Faz, novamente, o jogo de Trump — e sonha em repetir o roteiro de retorno triunfal. Mas Trump, agora de volta à Casa Branca, parece menos interessado em retribuir o afeto do aliado tropical. O silêncio do americano incomoda Bolsonaro, que ainda assim tenta se manter como satélite de sua órbita política.
Internamente, o cerco aperta. Seus aliados mais próximos já foram presos. Seu passaporte foi confiscado. E até pastores evangélicos como Silas Malafaia revelam que Bolsonaro chorou copiosamente em vídeo, temendo ser o próximo. Em público, ele esconde o desespero atrás de espadas medievais, Bíblias com cavaleiros cruzados e moedas com a palavra “Imbrochável”. Uma masculinidade de fachada para esconder a fragilidade de um projeto que desmorona.
O Brasil assiste, perplexo, a essa tragicomédia tropical onde o messias autoproclamado tenta reviver seus dias de glória enquanto a Justiça avança. Ao dizer que deixá-lo fora da eleição de 2026 seria “negar a democracia”, Bolsonaro revela a lógica distorcida de quem confunde vontade pessoal com vontade popular — e de quem acredita que a história deve se curvar ao seu delírio messiânico.
Mas a democracia brasileira, apesar das ameaças, não é um brinquedo descartável. O país já sobreviveu a ditaduras, a crises institucionais e a populistas de todas as cores. Sobreviverá também a Bolsonaro — com ou sem Trump.
Referência:
Este texto é baseado na entrevista concedida por Jair Bolsonaro ao The Washington Post, publicada em 2 de maio de 2025 sob o título “We sat down with Jair Bolsonaro. Facing prison, he’s pining for Trump”, por Terrence McCoy e Marina Dias.
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