PENSAMENTO PLURAL O mito da perseguição judicial, por Palmarí de Lucena

Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena reflete como a expressão perseguição judicial tornou-se bordão da política brasileira, usada tanto como defesa contra acusações quanto como arma de ataque. “Em nome dela, alguns se declaram vítimas, embora já tenham celebrado o lawfare quando direcionado a adversários”, diz. Essa contradição mina a confiança na Justiça e alimenta a descrença coletiva. E ainda: “A democracia, porém, exige serenidade, imparcialidade e respeito ao devido processo, para que a lei valha igualmente para todos.” Confira íntegra…

Nos últimos anos, o Brasil se habituou a ouvir, em discursos inflamados e nas redes sociais, a expressão perseguição judicial. Ela é usada como um refrão pronto para justificar derrotas políticas, encobrir erros pessoais ou criar a imagem de uma vítima diante da opinião pública. Mas será mesmo perseguição o que se alega, ou apenas um artifício retórico para evitar o peso da lei?

Em uma democracia, a Justiça deve ser o espaço da serenidade, não do ressentimento. O direito de defesa é cláusula pétrea, e toda pessoa acusada tem o dever de ser julgada com imparcialidade, ampla defesa e presunção de inocência. Ainda assim, o uso da palavra “perseguição” como estratégia discursiva não fortalece a democracia: ao contrário, corrói a confiança nas instituições, embaralha os fatos e abre brechas para que a impunidade se disfarce de injustiça.

O debate sobre lawfare também não pode ser ignorado. O termo designa a instrumentalização da Justiça como arma política — uma perversão em que processos deixam de servir ao interesse público para se tornarem ferramentas de combate. A Operação Lava Jato ilustra essa ambivalência: ao mesmo tempo em que revelou práticas de corrupção sistêmica, foi acusada de ultrapassar limites processuais e de atuar seletivamente, comprometendo a credibilidade do sistema judicial e alimentando a percepção de que a lei pode ser torcida conforme as conveniências do poder.

É nesse terreno ambíguo que surge uma contradição reveladora: muitos que hoje se dizem perseguidos foram, ontem, entusiastas do uso político do Direito contra seus rivais. Aplaudiram quando o aparato judicial se voltou contra adversários, mas recorrem à ideia de lawfare quando eles próprios se veem no banco dos réus. Essa inversão não fortalece o Estado Democrático de Direito; apenas revela como certas lideranças tratam a lei como instrumento de disputa e não como pacto de justiça.

Enquanto isso, a maioria silenciosa dos brasileiros enfrenta diariamente um Judiciário distante, moroso e custoso. Para esses cidadãos comuns, a palavra perseguição não serve de álibi político, mas muitas vezes traduz a sensação de injustiça, de desigualdade no acesso à defesa e de vulnerabilidade diante de estruturas que parecem inacessíveis.

A verdadeira lealdade à pátria não está em manipular a lei como espada contra uns ou escudo para outros. Está em reconhecer que a democracia só se sustenta quando a Justiça é aplicada de forma equânime, sem se dobrar a pressões partidárias nem se deixar capturar por interesses privados. O futuro do Brasil não pode se reduzir a disputas retóricas em torno de supostas perseguições, mas deve se firmar na confiança de que a lei vale para todos — governados e governantes, poderosos e anônimos.

 

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