PENSAMENTO PLURAL O Parlamento capturado pela própria imoralidade, por Palmarí de Lucena

O escritor Palmarí de Lucena avalia, em seu comentário, como a Câmara dos Deputados vive uma crise de credibilidade alimentada por corporativismo, lobbies e complacência ética. O Conselho de Ética tornou-se símbolo dessa degradação, agindo mais como escudo político que como instância moral. “Regenerar o Parlamento exige também responsabilidade do eleitor: combater o nepotismo, rejeitar herdeiros políticos e reafirmar que o verdadeiro patrono da democracia é o povo brasileiro”, acrescenta. Confira íntegra...

Há uma degradação gradual e preocupante no Parlamento brasileiro. A Câmara dos Deputados, concebida para ser o fórum mais nobre da República, parece cada vez mais dominada por interesses privados, conveniências políticas e um corporativismo que ameaça corroer a confiança pública nas instituições. O púlpito concedido pelo voto popular tem sido usado, muitas vezes, não para discutir o futuro do país, mas para defender causas particulares, propor medidas que beiram a advocacia administrativa e proteger aliados sob investigação.

Enquanto o país enfrenta desafios urgentes — o desequilíbrio fiscal, a crise na educação, o colapso dos serviços de saúde e a insegurança crescente —, parte dos parlamentares dedica-se a atender lobbies de setores específicos. Grandes grupos financeiros, conglomerados do agronegócio e empresas de tecnologia encontraram, na paralisia e na fragmentação política do Legislativo, o terreno fértil para transformar interesses privados em políticas públicas. O resultado é um debate empobrecido, no qual o cidadão comum, que deveria ser o destinatário das decisões legislativas, torna-se espectador de um jogo de influência.

A essa distorção soma-se outro fenômeno: o aumento da presença de parlamentares oriundos das forças de segurança, que, sob a bandeira da “defesa da segurança pública”, acabam atuando com frequência como representantes sindicais de suas corporações, em detrimento de uma política de segurança de Estado. Em vez de propor soluções estruturais para a violência e o crime, concentram-se em ampliar benefícios e imunidades funcionais. O paradoxo é evidente: nunca se falou tanto em “lei e ordem”, e nunca o cidadão se sentiu tão vulnerável.

Nada, porém, simboliza melhor a crise moral do Legislativo do que o comportamento do próprio Conselho de Ética — órgão que deveria ser o guardião do decoro parlamentar. A lentidão e a complacência com que trata casos de infração ética abalam a credibilidade da instituição. O recente arquivamento do pedido de cassação de Eduardo Bolsonaro, independentemente das motivações políticas envolvidas, acentuou a percepção de que o Conselho se tornou mais um espaço de autoproteção do que de julgamento. Em vez de exercer um papel moralizador, age como instância de conivência, relativizando faltas e convertendo desvios em rotina.

Essa inércia não é episódica — é estrutural. A dificuldade em aplicar sanções efetivas alimenta o sentimento de impunidade e reforça a ideia de que o Parlamento é uma instituição autocentrada, voltada para a própria preservação. Cada arquivamento torna-se um pacto de silêncio, um recado de que o poder político, ao menos em parte, julga-se acima da lei. Quando a ética se transforma em variável de conveniência, o voto popular perde seu valor simbólico e democrático.

É preciso, porém, afirmar com clareza: a mudança não virá apenas de dentro. O poder legislativo só se renovará se o eleitor, ciente de sua responsabilidade, agir com consciência e firmeza. Cabe ao povo — verdadeiro patrono do Parlamento — quebrar o ciclo vicioso do nepotismo eleitoral, rejeitar as dinastias políticas, punir a inércia e premiar a integridade. O Brasil não pode continuar terceirizando sua indignação. Regenerar o Parlamento é tarefa coletiva: é recusar a resignação, exigir ética e votar com discernimento.

A democracia brasileira sobreviverá não por obra da complacência, mas pela coragem dos que não se conformam. O país precisa de um Legislativo digno de sua gente — e essa dignidade começa no voto de cada cidadão.

 

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