PENSAMENTO PLURAL O potencial do Acordo UE–Mercosul para uma nova arquitetura Latino-Americana, por Palmarí de Lucena

Segundo o escritor Palmarí de Lucena, o acordo UE–Mercosul transcende o comércio: propõe uma integração política e simbólica entre Europa e América Latina. Com potencial em energia limpa, inovação, educação e sustentabilidade, pode consolidar o Acordo de Paris e fortalecer a cooperação transatlântica. Exige, porém, maturidade institucional e respeito mútuo. “Se bem conduzido, poderá inaugurar uma nova arquitetura latino-americana baseada em democracia, inclusão e prosperidade sustentável”, diz. Confira íntegra...

O acordo entre a União Europeia e o Mercosul, mesmo antes de plenamente ratificado, já ultrapassa o âmbito do comércio. Ele representa uma semente política e simbólica, capaz de inspirar uma integração mais ampla entre a Europa e toda a América Latina. Em um continente onde blocos regionais ainda buscam consolidar identidade e coesão, esse pacto pode funcionar como modelo, estímulo e contraponto à fragmentação diplomática que caracteriza o espaço latino-americano.

A Europa, com sua longa experiência de integração supranacional, enxerga na América Latina não apenas um mercado de exportação, mas um parceiro estratégico para o século XXI — um espaço de recursos naturais, diversidade cultural e potencial tecnológico. O Mercosul, por sua vez, pode ser a porta de entrada para uma relação mais extensa: uma plataforma de diálogo que inclua países andinos, centro-americanos e caribenhos, em um movimento de ampliação que reforce a presença latino-americana nos grandes fóruns multilaterais.

O potencial de expansão não está apenas no comércio. As oportunidades mais significativas residem em áreas como energia limpa, inovação tecnológica, educação, governança digital e sustentabilidade ambiental — temas em que a cooperação pode transformar-se em vetor de desenvolvimento conjunto. Projetos de interconexão elétrica, financiamento verde, intercâmbio universitário e políticas de transição digital poderiam redesenhar o mapa da cooperação euro-latino-americana com base em valores compartilhados: democracia, inclusão e economia de baixo carbono.

Nesse contexto, o Acordo UE–Mercosul pode assumir um papel estratégico na consolidação dos compromissos do Acordo de Paris, tornando-se um instrumento de convergência entre políticas comerciais e ambientais. A Europa dispõe de know-how tecnológico e financiamento verde; a América Latina, de biodiversidade e matriz energética renovável. A sinergia entre esses dois polos permitiria reduzir emissões, acelerar a transição para energias limpas e fomentar cadeias de valor sustentáveis — um eixo de prosperidade compatível com as metas globais de mitigação climática.

Essa nova fase exigirá, porém, maturidade política e coordenação regional. O Mercosul precisará atualizar seus mecanismos internos, harmonizar normas e fortalecer instituições, para servir de núcleo de atração a outros países latino-americanos. Já a União Europeia terá de superar sua tradição de “condicionalidade” — as cláusulas excessivamente rígidas que, muitas vezes, transformam a cooperação em tutela. Parceria verdadeira só se consolida quando há escuta e respeito às diferenças.

O fortalecimento do eixo UE–Mercosul abre ainda espaço para a incorporação de novos parceiros, como Chile, Peru, Colômbia e Costa Rica, que compartilham compromissos democráticos e agendas ambientais convergentes. Essa ampliação não apenas diversificaria a base de cooperação, mas criaria uma rede de interdependência positiva, capaz de reposicionar a América Latina no sistema internacional como um bloco de equilíbrio — entre o Atlântico e o Pacífico, entre o Norte e o Sul.

O acordo UE–Mercosul, se bem conduzido, pode tornar-se o embrião de um diálogo transatlântico renovado — um arco de cooperação que vá de Lisboa a Montevidéu, de Brasília a Madri, e que incorpore gradualmente Bogotá, Santiago, Lima e Cidade do México. Uma ponte não apenas entre economias, mas entre visões de mundo que se reconhecem na diversidade e na necessidade de equilíbrio global.

Em tempos de tensões geopolíticas e crises de confiança, a ampliação desse laço pode ser a contribuição latino-americana para um futuro em que o comércio sirva à paz, o meio ambiente se converta em agenda de convergência e o desenvolvimento em instrumento de dignidade compartilhada.

 

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